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Boletim Concorrencial | Março 2019

20 de março de 2019

Agenda Política sobre Defesa da Concorrência no Brasil

Espera-se que o governo de Jair Bolsonaro adote postura mais liberal em relação à economia, e, simultaneamente, impulsione uma rigorosa agenda anticorrupção. Diante de tal dicotomia, há rumores[1] sobre o enfraquecimento da ligação da autoridade concorrencial brasileira (Cade) com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em favor de uma nova parceria com o Ministério da Economia. Tal movimento indicaria a intensificação da agenda do CADE para promover a concorrência, equilibrando seu foco entre o combate a práticas anticoncorrenciais e a análise de atos de concentração.

Mudanças significativas são esperadas para o Cade em 2019, especialmente devido ao tom otimista em relação à economia brasileira, mas também devido às amplas mudanças na própria Autarquia, com o término do mandato de quatro dos sete Conselheiros em 2019, incluindo o mandato do Superintendente-Geral. Ainda não se sabe quem serão os novos Conselheiros, mas a expectativa é por grandes mudanças em breve.

 

Projeto Cérebro[2]

Desenvolvido em 2015, o “Projeto Cérebro” foi criado pela Superintendência-Geral do Cade. É uma ferramenta que aplica algoritmos e dados a um banco de dados de licitações para procurar padrões incomuns ou outras evidências de atividades anticompetitivas. De acordo com o Presidente do Cade, “esta análise de dados tem desempenhado um papel importante nas investigações do CADE, na coleta de evidências e nas operações de busca e apreensão”.

Até o momento, o “Projeto Cérebro” foi responsável pela abertura de pelo menos três (3) investigações envolvendo: (i) suposto cartel em licitações para a contratação de serviços terceirizados de brigadistas por várias agências do Governo Federal; (ii) um suposto cartel no mercado de dispositivos estimulantes cardíacos implantáveis; e (iii) um suposto cartel no mercado nacional de distribuição de órteses e próteses. Além disso, o projeto compreende um esforço coordenado com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) na identificação de possíveis cartéis de combustíveis em estados e municípios.

Segundo declarações do Presidente do CADE, espera-se que a Autarquia continue investindo na ferramenta e nas técnicas de investigação para a detecção de cartéis e outras condutas anticoncorrenciais.

 

Acordos de Leniência

Os acordos de leniência ainda são a principal fonte de detecção de condutas anticompetitivas no Brasil, em que, de cada três casos investigados pela autoridade, dois começam com acordos de leniência, enquanto apenas um é iniciado por iniciativa do próprio Cade. De acordo com dados internos do CADE, 63% das investigações de cartéis lançadas de janeiro de 2017 a julho de 2018 foram abertas com base em acordos de leniência.

O número de pedidos de leniência aumentou significativamente nos últimos anos, em especial devido à chamada operação “Lava-Jato”. De acordo com informações públicas, houve 10 pedidos em 2015, dos quais 2 foram relacionados à Operação Lava-Jato; 11 em 2016, dos quais 6 foram relacionados à operação Lava-Jato e 21 em 2017, dos quais 12 foram relacionados à operação Lava-Jato. Essa tendência recuou em 2018 (apenas 3 pedidos relacionados à operação), muito provavelmente porque (i) o número de casos derivados da Lava-Jato está reduzindo e (ii) as investigações abertas foram muito extenuantes e a força de trabalho do Cade é limitada para tanto.

Espera-se que o Programa de Leniência e o processamento de cartéis em geral sejam aprimorados com o novo Ministro da Justiça, Sérgio Moro, no cargo. Sérgio Moro é um ex-juiz federal e foi o responsável pelo julgamento das ações relacionadas à operação Lava-Jato. Espera-se que ele traga sua reputação de combatente à corrupção para o Poder Executivo, potencialmente aumentando também o combate a cartéis.

Não obstante, o Presidente do Cade declarou que “queremos que o Cade abra suas próprias investigações com mais frequência, não dependendo tanto nos acordos de leniência para iniciar uma investigação”.

 

Orçamento e Pessoal

O papel do Cade no combate às práticas anticompetitivas vem aumentando nos últimos anos. Consequentemente, um aumento no orçamento da Autarquia tornou-se necessário. Em 2018, o orçamento do Cade aumentou em mais de 182%, de 36,32 milhões em 2017 para 66,16 milhões em 2018[3], o que reforça as atuais expectativas de aumento de pessoal nos próximos meses. Em verdade, a autoridade planeja aumentar seu quadro de funcionários em 25% para fortalecer o combate a cartéis. O Presidente do Cade também afirmou que a Autarquia está adquirindo novos equipamentos de informática e investindo em treinamento para que seus funcionários ajudem nesse processo.

 

Condutas Unilaterais

Em relação às práticas anticoncorrenciais, as investigações de cartel representam a grande maioria dos casos julgados pelo Cade – em 2018, dos 25 casos julgados, apenas dois se referiam a condutas unilaterais, enquanto o restante correspondia a casos de cartel. A Autarquia indicou que as autoridades irão analisar com mais cuidado as condutas unilaterais. Com isso em mente, a Superintendência-Geral do Cade indicou que “vem tentando elevar o padrão em casos de condutas unilaterais”.

De acordo com dados internos do Cade, a Autarquia abriu 20 (vinte) inquéritos e recebeu 12 (doze) denúncias até outubro de 2018, comparados a 5 (cinco) investigações e sete (7) denúncias em 2017. No ano passado, a Superintendência-Geral concluiu 67 investigações de condutas unilaterais. Além disso, está em andamento no Cade a elaboração de um Guia de Análise de Condutas Unilaterais, que deve ser trazer diretrizes gerais, em vez de focar em restrições e regras objetivas, devido à falta de jurisprudência do Cade em casos de condutas unilaterais.

 

Mercados sob investigação

InRecentemente, o Cade tem voltado sua atenção para o setor financeiro sob diversas perspectivas. Uma das maiores fintechs do Brasil, o Nubank, solicitou que a autoridade investigasse os cinco maiores bancos brasileiros em razão de práticas anticompetitivas e esforços coordenados em desfavor do agente disruptivo do mercado financeiro[4]. Além disso, o Cade está investigando várias empresas de meios de pagamento, como Visa, American Express e MasterCard por práticas anticompetitivas[5]. Ademais, em decorrência de um relatório preocupante da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em dezembro de 2018, o Cade iniciou investigação sobre os setores financeiro e de pagamentos, especificamente focados nos impactos negativos da intensa integração vertical típica desses mercados. A Autarquia realizou uma análise dos elevados custos dos intermediários financeiros no Brasil, o que cria um dos maiores spreads bancários do mundo[6].

O Cade também está prestando atenção às tendências da economia digital, como evidenciado pelo recente arquivamento de uma investigação envolvendo a Uber[7]. Além disso, a autoridade contratou um consultor externo para a elaboração de estudo econômico sobre o assunto[8], bem como publicou a versão preliminar do seu Guia para Submissão de Dados ao Departamento de Estudos Econômicos (DEE)[9], demonstrando os esforços da autoridade para tornar a criação de estudos econômicos mais eficiente e uniforme.

 

Controle de Estruturas

O Cade analisou 404 atos de concentração em 2018, dos quais 6 foram aprovados com restrições, 1 foi impugnado, 9 não foram conhecidos, 4 foram arquivados devido à perda de objeto, enquanto todos os outros casos foram aprovados sem restrições. Algumas das análises mais relevantes envolveram transações apresentadas pelo Itaú e XP Investimentos, Bayer e Monsanto, ArcelorMittal e Votorantim.

Em 2019, algumas operações importantes já foram revisadas pela autoridade até o dia 1º de março, como a compra da Fox pela Disney, condicionada à alienação do canal “Fox Sports”, bem como a aprovação sem restrições de joint venture envolvendo a Azul Linhas Aéreas e o serviço postal brasileiro, Correios.

 

Agenda de Cooperação

O Cade está constantemente buscando ampliar seu escopo de atuação, bem como sua capacidade técnica de supervisionar as atividades do mercado por meio de mais de 30 acordos de cooperação com autoridades locais e internacionais. Esta expansão é corroborada pelos entendimentos com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual o Cade foi recentemente admitido como membro permanente de seu Comitê de Concorrência[10].

A aceitação do Cade como membro permanente é um reflexo da participação ativa da autoridade nas reuniões do Comitê de Concorrência por mais de 20 (vinte) anos, assim como a constante busca de alinhamento de sua política com as melhores práticas internacionais para regulação da concorrência[11].  

 

Ações Reparatórias

Em 20 de dezembro de 2018, o Projeto de Lei (“PLS 283/2016”) foi aprovado pelo Senado[12], setting forth relevant stimuli recoupment damage claims in cartel proceedings. estabelecendo importantes estímulos para ações reparatórias decorrentes de cartel. Atualmente, o Projeto de Lei está sob apreciação da Câmara dos Deputados, sob nova numeração, o PL 11.275/2018[13], que, se aprovado, resolveria importantes gargalos processuais em tais espécies processuais. Além disso, o Projeto de Lei tem o potencial de aumentar significativamente o volume dos acordos de leniência, já que duplicaria o valor das multas nas condenações de cartel, além do fato de que os acordos com a autoridade seriam alternativas para evitar possíveis condenações[14].

 

[1] https://www.valor.com.br/international/news/5981085/bolsonaro-studies-putting-antitrust-agency-under-economy-ministry

[2] https://www.lexisnexis.com.br/lexis360/noticias/177/cade-pode-ter-orcamento-turbinado-em-2018/

[3] http://www3.transparencia.gov.br/orgaos/30211-conselho-administrativo-de-defesa-economica

[4] https://www.infomoney.com.br/negocios/grandes-empresas/noticia/7343418/nubank-abre-pedido-investigacao-contra-grandes-bancos

[5] https://exame.abril.com.br/negocios/cartoes-de-credito-na-mira-do-cade-por-supostas-praticas-anticompetitivas/

[6]http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&infoid=49647&sid=5

[7] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/doutrina-antitruste/o-caso-uber-e-as-possiveis-praticas-restritivas-a-concorrencia-24022019

[8] http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/concursos-e-selecoes/processos-seletivos-concluidos/cade-contrata-consultor-para-a-elaboracao-de-estudos-sobre-concorrencia-e-economia-digital

[9] http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-submissao-de-dados-ao-dee.pdf

[10] https://www.comexdobrasil.com/brasil-avanca-no-processo-de-entrada-na-ocde-ao-tornar-se-membro-do-comite-de-concorrencia/

[11] http://www.oecd.org/daf/competition/brazil-competition.htm

[12] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126392

[13] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190209

[14] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/572075-PROPOSTA-DOBRA-INDENIZACAO-A-SER-PAGA-POR-PRATICANTE-DE-CARTEL.html