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Q&A: Relações Comerciais – Como Mitigar Danos em Âmbito Contratual?

18 de março de 2020

Surtos e epidemias estão presentes ao longo da história. Varíola, Peste Negra, Cólera até as mais recentes como a AIDS, Ebola, H1N1 e atualmente a febre amarela, Dengue e COVID-19.

Em momentos como esses, o homem tem que se readequar e assim seu comportamento e a maneira de conduzir seus negócios.

As relações comerciais sofrem um impacto direto dessas crises, que trazem consigo não apenas dificuldades operacionais como incertezas, empecilhos e até medo do desconhecido, de contrair doenças sem protocolos testados e regularmente praticados na medicina.

Nesse contexto, negociações e contratos são postergados, renegociados, suspensos  mesmo que temporariamente, ou até cancelados.

Contudo, mesmo diante de quadros desta natureza, oportunidades surgem, novas operações e negócios são idealizados, e contratos são negociados e por fim celebrados, além de outros vigentes muitas vezes aditados para refletirem o momento atual.

Depreende-se dessas situações algumas questões no âmbito contratual que passaremos a abordar de forma sucinta:

1) Num momento de pandemia como a atual, quais aspectos preliminares devem ser observados para a celebração de um contrato novo?

Resposta: As partes devem entender os efeitos da crise em toda a cadeia do negócio. Por exemplo, em contratos de fornecimento, analisar os eventuais e possíveis impactos da crise desde o processo de obtenção de matéria prima, o uso dos recursos (máquinas e pessoal) no recebimento, fabricação, armazenagem, logística e transporte e entrega no comprador. Além disso, cabe analisar o mesmo fluxo a partir da operação de venda e colocação do produto no mercado pelo Comprador.

2) Neste contexto, quais mudanças relevantes podem surgir comparando com um cenário sem crise?

Resposta: No contexto mencionado, o plano de ação muito provavelmente será bem distinto do cenário sem COVID-19. Por exemplo, a obtenção da matéria prima pode ser impactada de forma desastrosa, importações podem sofrer suspensões ou mesmo atrasos na entrega indefinidamente. Pessoal alocado nas fabricas pode ter sua quantidade reduzida, inclusive por exigência das autoridades de saúde, mantendo-as em casa ou fixando rodízios e políticas de “home office”.

Já com relação à venda ou oferta do produto e serviços ao mercado ou clientes finais, não adianta manter estruturas regulares para atender um público que pode não ser mais o mesmo ou ser mais escasso. Por exemplo, no segmento aéreo, a depender da extensão e prolongamento da crise com o COVID-19, me parece crível presumir que a atenção será redobrada na escolha de equipamentos e rotas. Equipamentos menores e rotas domésticas deverão ser menos afetadas. Focar em sustentabilidade, mesmo que signifique reduzir temporariamente algumas ofertas ou preços, me parece ser inevitável.

Se imaginarmos ações nesse sentido, contratos serão firmados, aditados ou renegociados com base no caso concreto e situação atual, levando em consideração uma projeção do prolongamento do surto ou pandemia, com toda a certeza.

3) Em contratos já celebrados, caberia renegociação?

Resposta: Não há dúvida da potencial necessidade de readequação, e sem dúvida para aquelas operações que efetivamente e de forma cabal foram e/ou continuam afetadas pelo alastramento do vírus. Mais importante do que ter um contrato vigente (firmado antes da atual situação) é ter um contrato factível de ser performado, mesmo que alteradas as bases do contrato.

4) Existem “gatilhos” legais para provocar a renegociação de contratos já vigentes?

Resposta: Sim nosso ordenamento jurídico prevê certos “gatilhos”. Mas acredito ser muito mais importante num primeiro momento a conscientização das partes à necessidade de readequação das bases contratuais do que partir para invocar fundamentos legais e gerar controvérsias.

Cabe entretanto relembrar que o aproveitamento da COVID-19 como argumento “per se” para se isentar de cumprir obrigação legal não deve surtir efeito. Serão exigidas evidências inequívocas que demostrem a ausência de culpa, a inevitabilidade, a superveniência do fato/evento, seu efeitos reais na obrigação descumprida (nexo entre o evento e o descumprimento, sem culpa da parte), além das medidas atenuadoras já intentadas pela parte afetada, a efetiva tentativa de conduta reparadora ou mitigadora de boa-fé, além da observância de eventuais condições contratadas sobre força maior, como a comunicação tempestiva  etc.

Por outro lado, argumentos contrários e alheios à realidade, exigindo o fiel cumprimento das condições contratuais primitivas (originais) comprovadamente afetadas por fatos diretamente relacionados à COVID-19, deverão encontrar resistência em eventual embate judicial.

Nesse contexto, a razoabilidade de ambas as partes deve guiar as discussões visando evitar judicializar eventual controvérsia.  

                 

5) Caberia Força Maior ou Evento Furtuito em razão da COVID-19?

Resposta: Como regra “Sim”, desde que amparado por medidas como as já mencionadas, inclusive as reparadoras ou mitigadoras. A simples alegação sem qualquer evidência do impacto do COVID-19 não me parece que surtirá efeito. Note que alguns estudiosos ainda suscitam elementos de imprevisibilidade, mas acredito que os elementos mais essenciais são a inevitabilidade, a superveniência, a inequívoca falta de controle pela parte, a demonstração de tentativas de mitigação (até por meios alternativos) sem possibilidade de remediação, e a ausência de culpa.

A demonstração pela parte impedida de cumprir sua obrigação de que tentou mitigar ou mitigou possíveis danos, e procurou reduzir o ônus à outra parte é essencial no processo de rediscussão do negócio jurídico, inclusive sob a ótica da força maior e caso fortuito. Um exemplo é o setor de turismo. Estabelecimentos hoteleiros precisarão adotar condutas que resguardem seus clientes, convidando-os para renegociar a base da contratação, datas e valores, ou mesmo repactuando condições de cancelamento, prazos limites e percentuais. Na cadeia de fornecimento, o Vendedor deve procurar novos fornecedores de matéria prima, por exemplo, para atender tempestivamente seus clientes, tentando atingir os mesmos parâmetros previamente pactuados com tais clientes.

Ainda nesse contexto, uma previsão contratual sobre força maior é importante para balizar regras de conduta em face de eventos desta natureza, tentando mitigar riscos às partes. Para  aqueles contratos já firmados que não contenham a cláusula, far-se-á necessário um aditivo prevendo tal disposição e as regras que ambas as partes venham a pactuar, independentemente do que nossos tribunais irão decidir num primeiro momento.        

     

6) Seria possível a alegação de “Onerosidade Excessiva” para renegociar o contrato em razão da COVID-19?

Resposta: Tenho certeza que sim, se elementos como a materialidade e gravidade do “efeito adverso”, a falta de controle da parte afetada sobre o fato e ainda a imprevisibilidade, estiverem presentes de forma inequívoca, acabando por gerar uma vantagem extrema para a outra parte.  As bases do negócio jurídico acabariam sendo reexaminadas ou modificadas para acolher a nova situação, em especial por força do prolongamento da crise.  

Por exemplo: Temos notícias novas de que empresa aérea americana cancelou suas rotas para o Brasil. Não creio que o cancelamento nesta fase brasileira do COVID-19 se baseie por motivo de força maior, até porque não houve até o momento proibição de voos entre Brasil e USA, por exemplo, por qualquer um desses governos. Por outro lado, creio possível e interessante o exame pela ótica da alegação de onerosidade excessiva do contrato por parte das aéreas, em razão da redução relevante do número de passageiros,  e o preço da gasolina, conjunção de fatores que acabam posicionando as aéreas numa situação extremamente desvantajosa para ofertar voos de forma regular.  Todos os dois elementos + as questões de saúde pública criam em tese condições defensáveis para tais decisões de cancelamento de rotas.   Porém isso não significa poder deixar o passageiro sem alternativas razoáveis.    

7) Qual seria a melhor recomendação neste momento para celebração de contratos?

Resposta: Analisar o máximo de ângulos possivelmente afetados ou que poderão ser afetados no negócio jurídico e redigir o contrato de forma a abordar tais questões temporariamente e com isso pactuar disposições transitórias com efeitos temporários durante o período de crise, restabelecendo as condições normais (ou as condições que seriam mais comuns na inexistência de crise) dentro de um prazo razoável. Para tanto, princípios como o da boa-fé e função social do contrato deverão permear a relação e as discussões pré-contratuais (em especial na análise de construções como a mencionada acima). Tais princípios ao meu ver tomarão uma proporção muito grande na análise de eventuais disputas sobre o restabelecimento das condições mais comuns e  regulares por ocasião do final do surto ou pandemia.


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