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Tributação na nuvem traz mudanças e desafios para a área jurídica

8 de julho de 2022

Durante a reunião de 2021 do G20 (grupo composto por representantes financeiros de 19 países, mais a União Europeia), houve a discussão de um possível acordo em conjunto com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre imposto corporativo mínimo global de 15% com foco nas grandes empresas de tecnologia, já que exercem atividades em diferentes países sem necessariamente arcar com o ônus fiscal correspondente. Com isso, acionou-se novamente o alarme sobre a tributação da nuvem.

Para contextualizar, de maneira breve, a nuvem nada mais é do que uma rede global em que dados são armazenados em um local que não é físico, e sim, digital. Ou seja, é um espaço em que se localizam registros computacionais de usuários e por onde as empresas podem oferecer seus serviços online.

Essa possibilidade de tributação, diante do crescimento do uso de aplicativos que oferecem serviços online e das novas formas de trocas comerciais por meio da economia digital, traz novos desafios para a área jurídica. Mas quais seriam eles? 

Impacto dos serviços em nuvem

A forma de consumir e realizar pagamentos foi uma das mudanças causadas pela tecnologia. Um exemplo é o surgimento de diferentes plataformas de entretenimento que oferecem filmes, séries e músicas em streaming, substituindo a necessidade de compras de mídia física como CD e DVD. 

O modelo de escolha também é alterado nessa nova economia. Antes, o consumidor ficava exposto aos produtos e serviços que as empresas ofereciam de forma geral. Hoje, por meio de mapeamento por inteligência artificial, os usuários têm suas preferências coletadas ao navegar na internet, fazendo com que cheguem a eles, com maior ênfase, assuntos ou itens de consumo que se assemelham aos seus gostos pessoais.

Discussão sobre a tributação da nuvem

Os tributos são a fonte primária de arrecadação de qualquer país. Por isso, é comum que governos queiram aumentar o “poder de caixa” de sua região. Como os serviços oferecidos pelas empresas de tecnologia são consumidos por um público presente em muitos países, essas corporações possuem fontes de arrecadação em diferentes lugares. Por isso, se abre o debate se elas deveriam pagar tributos aos locais em que exercem atividades ou não.

Por aqui, esses tributos já são cobrados em incidências múltiplas, como o ISS e/ou ICMS, PIS/COFINS, IRRF, entre outros. Porém, tramita no Congresso uma tentativa de copiar o modelo de Digital Service Tax (DST) — Imposto sobre Serviços Digitais — europeu para a realidade brasileira. Exemplos disso são: os projetos de lei 2358/2020, que busca implementar uma Cide Digital; PL 131/2020, focado em aumentar a alíquota de COFINS para serviços digitais; e o PLP 218/20, que mira instituir uma Contribuição Social sobre Serviços Digitais (CSSD).

Mercadoria ou Serviço? 

No Brasil, os impostos que incidem sobre mercadorias e serviços permitem aos governos investir em obras, políticas públicas e demais obrigações. Porém, há alguns tributos que são destinados a áreas específicas. Um deles é o ISS (Imposto sobre Serviço), em que o valor da taxa sobre serviços é destinado aos respectivos municípios. Já o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um imposto de competência estadual, contribuindo para “engrossar o caixa” dos entes federativos. 

Então, caso determinado fisco estadual considere que os aplicativos online têm natureza de mercadoria, será exigido o ICMS. Do outro lado, se os municípios também estabelecerem que são serviços, haverá a incidência do ISS. Como é de interesse de ambos aplicar a tributação e, por consequência, ampliar a arrecadação, assistimos potencial dupla incidência sobre a mesma obrigação tributária, o que leva os contribuintes a se socorrem no Judiciário. 

Caso recente e emblemático foi a tributação de software, se mercadoria ou serviço. Após mais de 20 anos de tramitação em nossa Corte Constitucional, restou definido que o  simples fato de o serviço se encontrar definido em lei complementar como tributável pelo ISS já atrairia, em tese, a incidência tão somente desse imposto sobre o valor total da operação e afastaria a do ICMS.

Segundo Gisele Bossa, sócia da área tributária do Demarest, por mais que a jurisprudência tenha evoluído ela não encerra o assunto em vista da constante inovação assistida nesses novos modelos de negócio. Essa dinâmica federativa sugere a análise “caso a caso” e ainda tende a gerar insegurança jurídica em torno do tema.

O espaço que a tributação na nuvem tem no Brasil

Ainda de acordo com Gisele, mesmo antes da pandemia de Covid-19, o Brasil sempre foi um país que exerceu protagonismo em nível mundial na utilização de aplicativos. Porém, a crise sanitária e econômica catalisou as discussões em torno da economia digital e essa conversa a respeito da tributação na nuvem e dos novos formatos de negócios na era digital não só foi ampliada, como também criou um senso de urgência para a discussão, especialmente porque tanto a legislação interna como internacional partem do vínculo físico. 

A tributação da nuvem ocorre porque há empresas de tecnologia que estão situadas em territórios que não são os mesmos em que atuam. Por exemplo, a sede de uma empresa desenvolvedora de aplicativos pode estar nos Estados Unidos, porém seu maior mercado consumidor no Brasil, na Espanha e em Portugal. Qual país deve tributar os rendimentos decorrentes? É esse impasse que gera discussões sobre a efetiva competência tributária (se no país onde está sediada a empresa ou no território onde é “consumida” a tecnologia investida) e que acaba por impulsionar a discussão sobre o dito imposto corporativo mínimo global de 15%. 

Para a sócia do Demarest, na perspectiva brasileira, mostra-se equivocada a partir da premissa de que as multinacionais de tecnologia não recolhem tributos no Brasil. Gisele aponta vários motivos, a começar pela complexidade operacional e sistêmica brasileira, que acaba por “obrigar” que as empresas do setor se estabeleçam no país. 

Outra razão diz respeito às múltiplas incidências nas operações locais e internacionais. O primeiro caso pode ser exemplificado por tributos como o IRPJ (alíquota combinada de 34%), PIS/COFINS (alíquota combinada de 9,25%) e ISS (alíquota de 2 a 5%), sem falar no potencial contencioso tributário inerente ao conflito federativo entre Estados e Municípios. Já no âmbito internacional, Gisele cita o recolhimento de tributos incidentes na importação de serviços e licenças das empresas detentoras dos direitos sobre as plataformas: retenção do IRRF pela subsidiária brasileira (alíquota de 15% ou 25%), IOF (alíquota geral de 0,38%), PIS-Importação e COFINS-Importação (alíquota combinada de 9,25%), ISS (alíquota de 2% a 5%) e CIDE  (potencial incidência à alíquota de 10%).

“Longe de fecharmos as controvérsias sobre a tributação na era digital e no próprio ambiente virtual, vale acompanhar de perto as mudanças de ordem regulatória e fiscal”, opina Gisele Bossa.


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