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Direito e sociedade: o papel de cada um no avanço da equidade étnico-racial

19 de novembro de 2021

Direito e sociedade caminham a que passo no avanço da equidade étnico-racial? A resposta a esta questão se inicia com a ideia de que o Direito serve para regular a vida em sociedade, para que, desse modo, todos possam viver em harmonia, rodeados por respeito e em um ambiente de bem-estar. Afinal, somos muitos, somos diferentes, temos necessidades e desejos distintos e, ainda assim, convivemos. Os limites dessas necessidades começam e terminam dentro do espaço individual uns dos outros. Porém, infelizmente, nem sempre essa premissa é respeitada.

Olhando para trás, ao longo da História, algumas pessoas tiveram o direito de acesso aos bens da vida – ou seja, alimentação, saúde, moradia e afins – negados. Isso ocorreu principalmente com grupos racializados, em especial, os negros. Por muito tempo, pessoas da raça negra não foram consideradas sujeitos de direitos. “As lutas desses povos os levaram à conquista da liberdade em todas as colônias. Contudo, permanecem marcados, como se fosse a ferro e fogo, com a ideia de menos-valia, subalternidade e subordinação. Embora a condição de humanidade tenha sido conquistada, ainda hoje é possível vislumbrar a necessidade de uma longa caminhada em direção à igualdade de todas as raças”.

A fala do advogado Robson de Oliveira, cofundador e membro do comitê D Raízes, a frente de equidade racial do Demarest, vai ao encontro da questão de que não é à toa que a população negra, no Brasil e no mundo, ainda sofra diferentes privações que decorrem única e simplesmente em razão da cor de sua pele. Em uma via de desventuras e consequências, a educação é precária, dessa forma, o acesso ao mercado de trabalho é restrito. O que leva a condições econômicas e sociais abaladas, insegurança alimentar e violência, em todos os sentidos e expressões. Fica difícil falar de equidade sem olhar para a questão e gerar oportunidades de quebra deste ciclo.

Qual o papel do Direito dentro da sociedade?

Falar de Direito e sociedade nesta questão, portanto, é lembrar que, embora sejamos todos iguais perante a lei, é preciso equiparar as chances de realizar a justiça para todos. A equidade funciona ao levar em conta as necessidades de cada indivíduo e, por sua vez, o papel do direito na sociedade é oferecer as ferramentas para que isso seja realizado. “Podemos observar as convenções internacionais e, no Brasil, a Constituição Federal e o Estatuto da Igualdade Racial, como ferramentas que pretendem eliminar discriminações e definir o tratamento necessário às pessoas para que a igualdade seja alcançada. São diferentes normativas que oferecem ferramentas para realizar a igualdade racial”, aponta Oliveira, que atualmente é Conselheiro Estadual e preside a Comissão de Igualdade Racial da OAB/SP.

Para exemplificar, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial prevê que as pessoas possuam o direito de casar e escolher seu cônjuge. Essa norma surgiu em um contexto no qual em alguns estados dos EUA eram proibidas as relações inter-raciais. Ou seja, já existe uma previsão legal de igualdade, porém com restrições. A convenção aparece para que, por meio do Direito, seja possível a realização da justiça racial nos casamentos.  

Pensando no Brasil, a Constituição Federal, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, garantiu aos quilombolas as terras onde viviam. Isto porque, embora historicamente residissem em determinados locais, houve um tempo no qual foi negado às pessoas negras o acesso à terra. Portanto, com essa garantia posta na Constituição, é possível buscar a justiça racial no acesso à terra para esse grupo. Para Oliveira, o papel do Direito na sociedade, por meio de seus operadores – advogados, juízes, promotores e defensores – é fazer uso dessas ferramentas para que a Justiça possa ser bem aplicada, garantindo-se deste modo a equidade racial. 

Esta é uma ação de todos? 

Uma conversa sobre justiça racial, equidade, Direito e sociedade precisa também lembrar que esta é uma missão de todos: a inclusão tem como ponto de partida a instituição legal, mas também é parte do olhar coletivo e individual ao se exigir dos líderes e das empresas a mudança. Para as marcas, é um dever e, ainda, uma exigência de mercado. Empresas que não estiverem voltadas ao tema, em um cenário muito curto, estão fadadas ao fracasso. 

As práticas de ESG estão aí para atestar: é fato que tanto investidores como consumidores querem se relacionar com instituições responsáveis e éticas. É preciso primeiro entender que a diversidade gera riqueza e não o contrário. A partir do momento que isso for absorvido, haverá avanço, mas esse passo exige mais ações do que palavras. Muitas vezes, por conta da discriminação e do negacionismo em relação ao racismo, a falta de oportunidades gera algum tipo de disparidade, sendo necessário criar essas oportunidades embasadas em programas de inclusão, capacitação e afins. Isso é equidade.

Direito e sociedade no Demarest

O D Raízes é um dos projetos que servem como exemplo da parceria entre Direito e sociedade atenta à equidade. Criado no escritório para tratar das questões étnico-raciais, sua importância vai além dos seus muros. Isso porque falamos de um espaço onde costumeiramente pessoas negras não se veem como pertencentes. “A partir do momento em que você cria um comitê de diversidade étnico-racial, que visa à inclusão, o acolhimento, a capacitação e a retenção de pessoas negras, faz com que vire a chave do ‘esse não é o meu lugar’. Muda também  a sociedade, que  passa a enxergar a questão de forma diferente. O D Raízes faz com que as pessoas se olhem e comecem a sonhar, imaginando-se nesses espaços. Para mim, como cofundador do projeto, acho que ter esse grupo no escritório criam-se sonhos, mas mais do que isso, eles se tornam realidade”, diz Oliveira. 


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