Insights > Client Alert

Client Alert

Decreto moderniza fiscalização de produtos de origem vegetal e consolida normas agropecuárias

18 de novembro de 2025

Em 31 de outubro de 2025, foi publicado o Decreto nº 12.709, que unifica a regulamentação de produtos de origem vegetal com base em diversas leis setoriais, incluindo a Lei nº 14.515/2022, que instituiu o autocontrole como eixo principal da defesa agropecuária. A norma representa um avanço regulatório ao consolidar regras e alinhar o Brasil às práticas internacionais.

Resumimos, a seguir, os principais aspectos do novo decreto:

Padrão de identidade, qualidade e autocontrole

O decreto estabelece os critérios técnicos para garantir a conformidade dos produtos de origem vegetal, incluindo:

  • Normalidade sensorial, qualidade e quantidade dos componentes;
  • Ausência de substâncias nocivas, contaminantes e deteriorações;
  • Conformidade com limites microbiológicos e físico-químicos;
  • Adoção de boas práticas de fabricação e processos tecnológicos adequados; e
  • Conservação e apresentação compatíveis com o consumo seguro.

Os padrões de qualidade e identidade dos produtos serão estabelecidos em atos normativos complementares e, na ausência de tais normas, o Codex Alimentarius poderá  ser utilizado como referência.

O decreto definiu os principais critérios para a elaboração e aplicação dos programas de autocontrole, que deverão ser implementados para o monitoramento, a verificação e a correção das etapas do processo produtivo e de distribuição de produtos de origem vegetal. Os aspectos considerados serão a avaliação de riscos físicos, químicos e biológicos, o controle de fornecedores e insumos, a conformidade das instalações e equipamentos, os procedimentos de higiene e prevenção de fraudes, bem como o gerenciamento adequado do transporte e da logística.

Os agentes da produção primária agropecuária e da agricultura familiar poderão aderir voluntariamente a esses programas por meio de protocolos privados de produção.

Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária

O Decreto nº 12.709 institui o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária como um dos pilares do sistema de autocontrole, que oferece benefícios e incentivos para os estabelecimentos que aderirem voluntariamente à iniciativa, como a possibilidade de remediação de eventuais irregularidades previamente à autuação, e a não autuação em caso de irregularidade sanitária, desde que sejam implementadas as medidas corretivas discriminadas na notificação dentro do prazo definido pelo Fiscal.

A principal proposta do programa é estimular a regularização preventiva, promovendo um ambiente de cooperação entre o setor produtivo e o Ministério da Agricultura e Pecuária (“MAPA”). O objetivo principal é proporcionar transparência, estimular o aperfeiçoamento dos sistemas de garantia de qualidade, e otimizar a fluidez dos processos administrativos, que deverão ter suas decisões fundamentadas nos princípios da análise de risco e na gestão baseada em risco.

Para permanecer no programa, o agente deve manter o compartilhamento atualizado dos dados operacionais e de qualidade, conforme especificações normativas, e atingir o desempenho mínimo estabelecido em ato complementar. O descumprimento dessas obrigações pode acarretar advertência, suspensão ou exclusão do programa.

Rastreabilidade e recolhimento

O Decreto nº 12.709 estabeleceu que todos os agentes da cadeia produtiva vegetal incluindo produtores, distribuidores, comerciantes e importadores devem implementar mecanismos de rastreabilidade de cada lote de produto, suportados por registros sistematizados e auditáveis que permitam a identificação da origem e o acompanhamento da movimentação dos produtos ao longo de toda a cadeia. Além disso, as informações devem permanecer à disposição da fiscalização por 18 meses após o prazo de validade ou a expedição do produto.

O decreto instituiu regras para o recolhimento, ou recall,  que deverá ocorrer quando forem identificadas deficiências ou não conformidades que representem risco à saúde do consumidor, à sanidade vegetal ou à saúde animal – caso em que o responsável pelo produto ou o importador deve, às suas expensas, providenciar a retirada imediata do mercado. Essa obrigação inclui paralisação da comercialização, segregação do lote e execução das medidas corretivas previstas, podendo ocorrer por iniciativa do agente, por determinação da autoridade fiscalizadora ou por decisão administrativa. O MAPA deverá, ainda, divulgar um alerta de risco com informações sobre o recolhimento e as providências a serem adotadas pelos agentes envolvidos .

Por fim, o decreto tipifica infrações e penalidades severas para o descumprimento dessas obrigações. Deixar de manter registros auditáveis para rastreabilidade constitui infração grave , enquanto não realizar ou realizar de forma incompleta o recolhimento obrigatório é considerado infração gravíssima . Além disso, a multa poderá ser majorada em 20% no patamar máximo da faixa aplicável quando houver omissão na execução do recolhimento .

Fiscalização e agentes fiscalizadores

O sistema de fiscalização baseia-se em riscos e se aplica a qualquer etapa da produção, beneficiamento, industrialização, transporte, comercialização ou exportação, abrangendo, inclusive, o comércio eletrônico. Também estão incluídos neste contexto os portos, aeroportos, fronteiras e demais locais onde se encontrem produtos, documentos ou sistemas relacionados à atividade regulada.

Durante as ações fiscalizatórias, a autoridade competente poderá registrar imagens, áudios e vídeos de produtos, instalações, equipamentos e pessoas envolvidas, com o objetivo de documentar irregularidades, respeitando o sigilo e a confidencialidade das informações. A fiscalização poderá ser realizada por meio de procedimento simplificado, quando a não conformidade puder ser sanada de forma imediata, conforme previsto em norma complementar.

A execução das atividades de fiscalização é atribuição de auditores fiscais agropecuários em âmbito federal, e pode contar com o apoio de servidores técnicos autorizados. O auditor é responsável pelas seguintes ações: lavratura de autos e intimações; aplicação de medidas cautelares; auditorias em programas de autocontrole e certificadoras; inspeções em estabelecimentos nacionais e internacionais; emissão de certificados sanitários; entre outras.

O MAPA também poderá utilizar apoio técnico-operacional e laboratorial de empresas credenciadas para suas fiscalizações. A autoridade fiscalizadora terá livre acesso às informações e aos locais de atividade, podendo solicitar auxílio policial quando necessário, respeitando, contudo, o sigilo comercial e a proteção de dados.

Além disso, o Decreto nº 12.709 prevê a criação do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (“Sisbi-POV”), para assegurar a identidade, qualidade, conformidade, idoneidade e segurança higiênico-sanitária e tecnológica dos produtos de origem vegetal produzidos, elaborados ou comercializados em todo o território nacional.

A implementação do Sisbi-POV ocorrerá em alinhamento com a política agrícola nacional, por meio do compartilhamento de competências entre a União, os governos estaduais e municipais, o Distrito Federal e consórcios públicos, em regime de adesão voluntária, com a adoção de sistemas de inspeção equivalentes.

Competirá exclusivamente ao MAPA, auxiliado por auditores fiscais federais agropecuários do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, a coordenação do Ssisbi-POV e a execução das seguintes atividades:

  • auditoria de adesão e manutenção de equivalência dos serviços de inspeção de produtos de origem vegetal ao Sisbi-POV;
  • registro de estabelecimento e de produto;
  • gestão da fiscalização do autocontrole dos agentes;
  • fiscalização e certificação da importação e exportação de produto de origem vegetal;
  • gestão do Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária;
  • desempenho de outras atividades necessárias para o enfrentamento de riscos à defesa agropecuária.

Infrações e penalidades

As infrações previstas no Decreto nº 12.709 podem decorrer de irregulares praticadas pelos diversos agentes que integram a cadeia de produção, comercialização, importação ou exportação de produtos de origem vegetal, incluindo-se aquelas praticadas em comércios eletrônicos, plataformas digitais ou redes sociais.

De acordo com a norma, as infrações de natureza leve envolvem condutas irregulares que não comprometem diretamente a segurança, a inocuidade ou a conformidade dos produtos de origem vegetal. Alguns exemplos de infração leve incluem o não envio de documentos obrigatórios, o uso de embalagens em desconformidade com a norma, alterações não comunicadas na planta industrial e falhas na documentação de serviços de classificação.

Já as infrações de natureza moderada, grave ou gravíssima dizem respeito às condutas que representam riscos regulatórios, operacionais ou sanitários mais relevantes. Algumas condutas enquadradas neste grupo incluem: a omissão de informações por depositários; a execução de atividades com registros vencidos; o funcionamento de estabelecimentos em desacordo com as normas vigentes; o uso indevido de rótulos e embalagens; a alteração não autorizada da composição de produtos registrados; a ausência ou não implementação de programas de autocontrole obrigatórios; a comercialização de produtos com contaminantes acima dos limites permitidos; fraudes em produtos; a obstrução à fiscalização; e o descumprimento de penalidades impostas.

O agente que incidir em quaisquer das infrações previstas no Decreto nº 12.709 ficará sujeito às seguintes penas: advertência; multa; condenação do produto; suspensão de registro, de cadastro ou de credenciamento; cassação de registro, de cadastro ou de credenciamento; e cassação da habilitação de profissional para prestar serviços relacionados à defesa agropecuária.

Contudo, as infrações de natureza leve que tiverem suas irregularidades corrigidas antes da autuação do agente não ensejarão a lavratura de auto de infração, conforme previsto na Lei nº 14.515/2022.

As multas por infração ao Decreto nº 12.709 poderão ser arbitradas em valores que variam de R$ 100,00 a R$ 150 mil, podendo ser aumentadas em 10% para cada nova reincidência na mesma infração.

Além disso, as penalidades de suspensão de registro, de cadastro ou de credenciamento, ou a penalidade de cassação de registro, de cadastro ou de credenciamento poderão ser convertidas em multa, mediante apresentação de requerimento do infrator para a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (“TAC”). Se aceito pelo MAPA, o termo terá eficácia de título executivo extrajudicial.

A dosimetria da pena será definida com base no risco associado à infração praticada pelo agente, nos seus antecedentes e nas circunstâncias atenuantes ou agravantes, garantindo-se a proporcionalidade e efetividade na responsabilização dos agentes envolvidos.

Regras de transição

O Decreto nº 12.709 entrou em vigor na data de sua publicação e terá efeitos imediatos, salvo em relação:

  • (i) às diretrizes para identificação de registros de estabelecimento e de produto e descrição obrigatória de rotulagem em ofertas de produtos realizadas na Internet, que entram em vigor em 90 dias a partir da publicação do decreto, no entanto, ainda exigem regulamentação complementar; e
  • (ii) às adequações das informações de registro das bebidas que tiverem alteração de denominação, que entram em vigor em 730 dias a partir da publicação do decreto.

De acordo com o MAPA, os casos omissos ou as dúvidas que forem suscitadas em relação às novas regras e exigências contidas no Decreto nº 12.709/2025 serão resolvidos pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal.

A equipe de Life Sciences & Healthcare do Demarest está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais que se façam necessários.