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Proposta de Reforma Tributária: em webinar, especialistas analisam o tema

22 de junho de 2023

Durante o mês de março, o escritório de advocacia Demarest preparou um ciclo de webinars com o tema “Novidades e Perspectivas Tributárias para 2023”. O último episódio (16/03) foi focado na proposta de Reforma Tributária, assunto que vem movimentando o Congresso Nacional com duas Propostas de Emenda da Constituição, a PEC 45 e a PEC 110, e que promete mudar as operações das empresas.

Os sócios da área de Tributário Douglas Mota, Maurício Barros e Thiago Abiatar Lopes Amaral receberam os convidados Camila Bonfim Reis (gerente de Planejamento Tributário e Auditoria Interna da Terios) e Rodrigo Pará Diniz (diretor Executivo do BTG Pactual) para participar da discussão, analisando as PECs e suas implicações em diferentes setores da economia.

Confira o webinar completo: o vídeo e a transcrição do seu áudio.

Webinar do Demarest: as Propostas de Reforma Tributária

Douglas Mota:

É um prazer falar com vocês hoje sobre o tema reforma tributária. Chegamos aqui ao quinto episódio da série de encontros que a equipe de Tributário do Demarest promoveu sobre reforma tributária, ou seja, a mãe de todas as discussões. 

Como é do conhecimento da maioria das pessoas, nós temos aqui duas propostas principais, que é a PEC 45, que começou com o Bernard  Appy e o CSIF, o Centro de Estudos Fiscais, e hoje (16/03) foi apresentada no Congresso pelo deputado Baleia Rossi. Temos a PEC 110, que depois de várias notificações, hoje está mais ligada a um IVA dual. Essa PEC foi apresentada no Congresso pelo deputado Luiz Carlos Hauly, que não se reelegeu, mas a PEC continua em discussão e hoje elas estão caminhando conjuntamente.

O principal objetivo dessas PECs não é, necessariamente, a redução de carga tributária, mas, sim, uma racionalização e simplificação do sistema. Como sabemos, o sistema tributário brasileiro é muito complexo e a ideia é simplificar. Isso não significa dizer redução de carga tributária. Já é visível que, com todas as simulações e considerando as duas propostas, que alguns setores, principalmente de serviço, terão aumento de carga tributária. Por quê? Porque se de um lado vai ter alguém reduzindo de alguma forma, por outro lado, a parte de serviços, haverá um aumento de carga tributária, e isso faz parte do próprio debate e terá grande impacto também nas considerações que levarão até à aprovação do texto. Quando falamos em aprovação, é porque trabalhamos com a hipótese de que será aprovado. 

Eu acompanho desde 1998 essa discussão e percebo que nunca se chegou tão longe. Isso não significa dizer que necessariamente essas propostas serão aprovadas porque sabemos que tem uma questão de discussão política. Entrando aqui na comparação dos projetos, já vemos que a PEC 45, inicialmente, era a mais restritiva possível. Ela fala da extinção do PIS, da Cofins, do ICMS, do ISS e do IPI, e a criação do IBS, do Imposto sobre Bens e Serviços. E, junto um Imposto Seletivo, que faria as vezes do IPI. 

A ideia principal aqui veio com o normativo introdutório seria por via da Lei Complementar. Estamos falando de PEC, que é a alteração da Constituição, mas as leis complementares instituíram. Em algum momento também se defendeu quase a discussão junta tanto da PEC quanto dos textos das leis complementares, porque sabemos como funciona no Brasil. Falamos de ter uma simplificação, deixamos para Lei Complementar e depois não sai.

Mas por enquanto está caminhando, é o texto da PEC. As alíquotas, no caso da PEC 45, teriam a União, os Estados e os municípios definindo suas respectivas das alíquotas singulares, ou melhor, sub alíquota, que seriam somadas para se chegar a uma alíquota geral. A alíquota seria única para todos os bens e serviços, e isso aqui já é a ideia por trás, é eliminar aquelas discussões relativas a como é que eu tributo o tênis, o sapato e o sapatênis. Então quer dizer, teríamos alíquotas únicas para todos os bens e serviços. No caso do Imposto Seletivo, o IES, a líquida pode ser variada em função de bens e serviços, como qualquer Imposto Seletivo. A estimativa em relação ao IBS é que se chegue a uma líquida de 25%, sendo 9% para a União, 14% para estados e 2% para municípios. Já percebemos daqui por que o setor de serviços seria mais onerado. Se você pensar hoje que o setor de serviços pode ser tributado a 9,25%, mais 5% de ISS, que seria a alíquota mais alta, seria 14,25%. Veja que estamos falando de 25%. Bom, com isso também percebemos problemas, como a preservação da autonomia de estados e municípios e a dificuldade de chegar a um consenso. Mas em todo o texto de reforma tributária, a discussão sempre parava nas discussões de autonomia de estados e municípios, que temem perder poder e arrecadação.

O texto da 110 é menos restritivo. Eu falei da PEC 45 restritiva e eu estou me referindo a, principalmente, benefícios fiscais. A PEC 110 é um pouco menos restritiva com relação a benefícios fiscais e é mais abrangente. Veja que o texto atual que está sendo discutido se fala de extinção do PIS, da Cofins e aí também Cofins Importação da CSL, que iria ser incorporado ao IRPJ, a eliminação do ICMS, do ISS e o IPI. Originalmente, na PEC 110, também se falava de salário de educação, de Cide e não da questão da CBS, apenas da questão da criação do IBS. É que na situação da redação atual, está se falando de um IVA dual, que seria o IBS, o Imposto de Bens e Serviços, a CBS, que é a Contribuição Sobre Bens e Serviços que basicamente é substituir o PIS e a Cofins e o Imposto Seletivo, como fala também na PEC 45.

Também aqui o veículo normativo seria a Lei Complementar a CBS e uma Lei Ordinária para o imposto sobre o Imposto Seletivo. As alíquotas e as seletivas seriam definidas, mas também padronizadas, sem distinção para o produto ou serviço. A Lei Complementar poderia prever alíquotas distintas, e no imposto sobre serviço a alíquota pode ser variada em função do bem e serviço. 

Veja que, aqui também a PEC 110 é menos restritiva com relação a alíquotas e até abre espaço para ter uma diferenciação maior. A questão é negociação política, que pode atrasar todas as discussões.

As características comuns sobre as duas PECs, que  estão caminhando conjuntamente, em algum momento vai ter uma unificação. Seria uma legislação única e aplicável a todo o território nacional, com possibilidade dos estados e municípios definirem suas sub-alíquotas. 

A base de cálculo inclui todos os bens e serviços, exploração de bens e direitos tangíveis e intangíveis e locação de bens, ou seja, haveria um alargamento de inclusão de itens que até então não sofriam tributação indireta. Por exemplo, hoje a locação de bens não é tributada pelo ISS, na regra, depois da decisão do Supremo, mas aqui também está se tratando de locação de bens dentro da tributação e teria uma tributação como característica comum das duas PECs, tributação plurifásica.

A não cumulatividade, vamos falar um pouco mais à frente. O cálculo por fora, que é um dos grandes questionamentos desse cálculo por dentro, além da questão do ICMS, ISS,  PIS e a Cofins. A cobrança será sempre no destino, isso impacta diretamente o ICMS, o ISS de alguma forma, a não incidência sobre exportações, tal como temos hoje, o Seletivo.

É basicamente a ideia por trás de hoje, que seria um imposto regulatório que admite também regimes diferenciados para imóveis, serviços financeiros e combustíveis, entre outros. A fiscalização do fornecedor, da necessidade de comprovação do recolhimento da etapa anterior e porque isso é importante para crédito, para a etapa seguinte. No caso do IVA Dual, que é a situação da PEC 110, estipularia que a alíquota de IBS não seria incluída na base de cálculo da CBS e vice-versa. Situação bastante óbvia, mas relevante, dado tudo aquilo que  se tem discutido de imposto sobre imposto, arrecadação e partilha. A PEC 45 prevê, então, a arrecadação total do Imposto Seletivo pela União, com repasse a Estados e Municípios. Isso é sempre um grande receio, porque você fica dentro da discricionariedade da União e  o ideal é que se tenha algo já tabelado sobre como se fazer. O IBS, cada ente recebe de acordo com a sua líquida singular, Estado, Município e União. Na PEC 110, a União arrecada a CBS e IS e repassa a Estados e Municípios, e de novo volta para a discricionariedade.

No caso do IBF, 75% para estados e 25% para municípios. Para ambos, esse foi um dos pontos bastante discutidos, ou seja, quem arrecada. E a ideia é ter uma situação de centralização, de arrecadação, que não seria estados ou municípios, seria, na realidade, um órgão centralizado recolhendo e repassando automaticamente, sem ficar na mão de políticos definindo quem recebe o quê.

Tratamentos diferenciados e benefícios fiscais. Na PEC 45, a ideia era ter uma vedação geral a benefícios fiscais, porque o que move é simplificar e benefícios fiscais tendem a complicar bastante. Está se falando bastante dessa progressividade no caso da PEC 45, o chamado cashback. Eu acho até meio pejorativo chamar cashback, porque dá a impressão de que é quase um favor que está sendo feito, quando na realidade, se aproxima muito mais de uma restituição de imposto de renda e uma restituição como é feito lá no Rio Grande do Sul. Não exatamente uma coisa discricionária, em que se dá apenas os cupons para quem for mais pobre ou menos pobre. Também na PEC 45 fala-se da exclusão da Zona Franca de Manaus. Inicialmente, a ideia era acabar com o benefício da Zona Franca de Manaus, mas agora também está se projetando a possibilidade de manutenção do simples nacional.

A PEC 110 é um pouco mais aberta para benefícios fiscais, com situações específicas. A progressividade também é prevista para a devolução de valores para a baixa renda, manutenção da Zona Franca e do Simples Nacional. No tocante às questões de transição, a PEC 45  fala em um prazo de 10 anos de transição, ou seja, dois sistemas ao mesmo tempo.

Teríamos o sistema atual e o novo convivendo, claro que à medida que um vai implementando, o outro vai reduzindo, e ao longo de 50 anos teria uma transição de arrecadação, prevendo que quem está perdendo com a reforma seria compensado, quando falamos de estados, municípios e União. Já na PEC 110, a transição é progressiva um pouco mais rápida. Fala-se em 7 anos e 15 para a parte de arrecadação. Aqui o ponto de atenção é o que as empresas vão sofrer para fazer todo esse compliance dos dois sistemas. 

Veja que, até pouco tempo atrás, falava-se muito de tributação sobre consumo, mas a PEC 110 está cogitando extinguir a CSLL e incorporar no IRPJ, o ITCMD, o Imposto sobre Causa-mortis e Doações, que é estadual, passaria a ser federal, mudança no IPVA, que incluiria  embarcações aquáticas e tudo mais.

A Cide também não incidirá sobre os Impostos Seletivos, que é o IS, e depende muito de como isso vai ser compensado. A criação de três fundos teria como propósito  diminuir a disparidade. Isso assusta bastante, afinal, o que é o fundo? Sabemos como que o fundo acaba no Brasil, mas a ideia por trás disso seria equalizar perdas e ganhos para efeito de manutenção de arrecadação para estados e municípios, principalmente. Temos hoje duas PECs, a 45 e a 110, ambas estão na CCJ, mas a 45 na Câmara e a 110 no Senado.  As duas estão aguardando o seu encaminhamento, foram formados grupos de discussão, para que comecem eventuais votações. 

Do que temos acompanhado, o Haddad, ministro da Fazenda, e o Bernard Appy, que foi escolhido para liderar o grupo de reforma tributária pela parte do governo, têm falado muito de tentar levar isso até junho para votação, que seria votado no segundo semestre. Sabemos que é bem difícil essa discussão porque os prazos são muito curtos, mas estamos confiando no novo governo federal.

O primeiro ano normalmente consegue arrastar muita coisa, mas com toda a experiência que temos sobre o tema, o que eu posso dizer é que nunca se chegou tão longe em uma aprovação de reforma tributária. Agora é acompanhar. Mas antes de encerrar aqui o resumo sobre a reforma, vale a pena falar da PEC 46 de 2022, que está sendo chamada de Simplifica Já. E isso aqui é muito defendido pelos municípios, principalmente.

Porque eles estão dizendo: mantém do jeito que está e vamos melhorar o que já tem. Passaríamos a não ter não mais legislações de 27 estados e Distrito Federal, além de mais de 5 mil legislações municipais para ter uma legislação única nacional, como se fosse uma Lei Complementar Geral, ninguém mais acaba regulamentando localmente. Teria um cadastro único, uma nota fiscal nacional, ou seja, para serviços,  ICMS e  ISS, a guia de recolhimento único, como se fosse um portal que você vai lá e recolhe, alíquotas padronizadas. Não teria mais distinção de estados com as alíquotas, e a ISS é a mesma coisa com os municípios, com a criação de comitês gestores nacionais para cada um desses dois tributos. Essa PEC 46 é uma novidade, dentro do que vinha sendo discutido, vai ser um ponto de discussão e pode ser que muita coisa seja também implementada.

Feito este resumo, vou passar para a Camila Bonfim, para debater um pouco e falar um como você está acompanhando isso, seja do ponto de vista pessoal, mas também dentro de um dos setores mais importantes do Brasil, que é o agronegócio.

Camila Bonfim Reis

Primeiramente, queria agradecer Demarest e Maurício pelo convite neste debate. Vou fazer uma breve apresentação. 

Camila: Antes de entrar  na discussão da reforma em si, eu queria falar do contexto. Estamos falando bastante da PEC 45 e da PEC 110. Mas eu acho importante lembrarmos também o porquê de tanta discussão em torno, antes de entrar no agronegócio. Por que eles falam tanto em relação à carga tributária? Assim vamos conseguir entender a finalidade e se toda justificativa que está em cima da PEC 45 e da 110 faz sentido. O Brasil é um dos países com uma das maiores cargas tributárias do mundo.

Sabemos que tem quando comparamos com alguns outros países. De fato, a nossa carga tributária gira em torno de 34%, que é bem alta. Comparado com outros países na América Latina, é significativamente alta. E essas reformas não vão afetar a carga tributária. Eu acho que não necessariamente um bom sistema tributário mexe no total da carga tributária. É isso que também queremos comparar.

Quando se compara com a média da OCDE, obviamente não podemos comparar o Brasil muitas vezes com o primeiro mundo por várias razões, mas a média dela é muito próxima da nossa. E a temos inúmeros países com uma carga tributária bem superior à nossa. Então se for pegar uma comparativa ao Brasil está aqui. Esse número já é um pouquinho antigo, mas estava 32% e continua ainda em torno de 33%. Se você comparar com o resto, como a Dinamarca, por exemplo, ou a França, eles têm uma carga tributária total acima de 45%. Na maioria dos países da OCDE, a carga tem ficado bem parecida com o Brasil. Então, o que me preocupa quando se entra na discussão de reforma tributária não é muito bem o total da carga, em sair desse valor de 33%, que já é bem alta, mas como ela é utilizada e distribuída, porque aí vamos entrar no consumo que estamos falando agora. Se queremos comparar, essa aqui é a distribuição da carga do Brasil, em torno dos 33%. E  43% se referem justamente ao imposto sobre bens e serviços. Considerando toda a carga tributária, 23% recaem sobre imposto de renda, lucro e ganho de capital e 43% recaem com o consumo, mais do que o total da carga tributária. Essa distribuição chama atenção no Brasil.

E por isso que essa reforma tributária, tanto 45 quanto a 110, é tão importante. No final das contas, trata-se de uma das maiores cargas sobre o consumo que existem hoje no mundo. E não tem comparativo, porque não usamos o sistema tributário da forma como muitos países. Se comparar justamente esse item com o total da OCDE, olha a diferença:  os países de primeiro mundo, geralmente, tributam muito mais a questão do ganho de capital e também dos lucros, ganhos e imposto de renda, mais ou menos uns 10% a mais da carga. E, geralmente,  tributam 32%, ou seja, bem menos. 

Mais do que não mexer na carga tributária, não mexem em uma sistemática tributária que, de fato, se comparado com a prática utilizada em outros países, de efetivamente usar o sistema tributário como uma parte política ou muitas vezes de distribuição, efetivamente até de justiça mesmo, às vezes fiscal, capacidade contributiva, foge completamente desse viés, porque se está com uma carga tributária que vai ser mantida muito alta quando comparada com qualquer outro país.

Tanto 45 quanto 110, só foca no consumo. E elas não fazem essa migração e não estão deixando de arrecadar o consumo para poder aumentar a questão sobre o imposto de renda. E por que isso é nocivo para a economia? Ou por que é considerado ruim? É justamente porque afeta o consumidor final, as pessoas que estão no final da cadeia. 

Se o consumo é muito grande, uma pessoa que tem um alto poder aquisitivo vai pagar o mesmo preço de uma pessoa que tem um poder aquisitivo menor. Essa é a distorção, uma questão muito sensível que o Brasil nunca encarou e não está tratando nessas duas reformas. 

O problema não está no total da carga tributária, mas na distribuição que não vai ser mexida. Falando em agronegócio, no Brasil, é difícil até definir qual é o percentual que ele representa. Porque os próprios órgãos ainda não entram muito no consenso. O que entra? São 24% do total do PIB ou 2%?  

Muita gente considera como agro só o que está no campo. E o agro vai muito além. Você não consegue formar uma cesta básica sem industrialização de fato, sem colocar a cadeia toda. Quando se começa a ver os números, já existe uma discussão até do que é o Agronegócio no Brasil. Esses números representam mais ou menos 25% do PIB nacional, extremamente significativo, mas ele considera a cadeia que inclui a indústria, as entradas dos insumos e não só apenas a questão do campo. Representa, por exemplo, uma parte significativa das nossas mãos de obras também. Quando se compara a arrecadação e a tributação em cima do agronegócio, já não bastasse a complexidade da lei, existe a complexidade da definição. Tem gente que separa colocando a indústria só na indústria, serviços separados e o agronegócio acontecendo como algo pontual que seria só no campo. Isso também dificulta fazer comparações com o resto do mundo. Quando se compara com a tributação do agronegócio no mundo em termos de tributos é também muito complicado porque o Brasil é um dos maiores, com uma representação muito grande.

Comparar o agronegócio aqui com qualquer outro agronegócio, não gera o mesmo impacto. Estamos em primeiro lugar de produção e de exportação no mundo em diversos itens. A nossa capacidade de agronegócio não dá para ser comparada com praticamente nenhum outro país, o que é uma complexidade. Mas agora eu queria falar da PEC 45 e comparar ela com o resto do que acontece no mundo, porque daí eu entro realmente no que está acontecendo no negócio. Um dos pontos, principalmente da PEC 45, é a alíquota única que  difere da 110, que são dois impostos. A justificativa é que evita questões de classificação. E teria como finalidade simplificar e evitar o aumento do contencioso. Este texto é da própria justificativa, falando sobre a maioria dos IVAs criados no mundo com apenas uma alíquota. 

A PEC 45 não prevê, diferentemente da 110, que ainda tem entre alimentos, por exemplo, um ponto expresso, mas ela não vê nenhum tipo de benefício fiscal. Dentro da justificativa, eles mencionam que o tributo sobre o consumo tem uma função só de arrecadação, por isso que não poderia ter um benefício fiscal. Em nenhum país do mundo são utilizados para fins de política setorial regional. E como políticas sociais os IVAs no mundo não têm que ser deficientes. Isso está dentro da justificativa.

Vamos falar do ponto da alíquota única e temos que lembrar que é uma tributação não uniforme em território, por isso cada município vai fixar sua alíquota. Quando falamos que dentro da justificativa no Brasil é para evitar o aumento do contencioso e o custo, ficamos um pouquinho com pé atrás, porque, no final das contas você vai ter uma alíquota para cada um dos municípios. Isso gera algumas discussões também do ponto da simplificação. Não é tão simples. E é única, mas tem variações dependendo do município que está sendo utilizado.

E um ponto que eu acho super importante, quando se fala sobre a alíquota do resto do mundo (a maioria dos países prevê uma alíquota única), os dados da OCDE mostram, principalmente da agricultura (OCDE não tem agronegócio, é só agricultura, ou seja, campo de fato) dentro do próprio texto, quase todos os países da OCDE, no mínimo tem uma alíquota única, ou provê uma alíquota zero ou uma isenção. Raramente, com exceção de alguns países, Chile, Dinamarca, Estônia, Japão e Nova Zelândia, não têm. Todos os demais, têm um IVA zero, ou dados reduzidos para produtos de insumos agrícolas, por exemplo. Essa justificativa, se comparada com a maioria dos países do mundo, não tem uma diferenciação, é uma alíquota única, não tem benefício fiscal, não está alinhada de fato com o que acontece no resto dos IVAs que tem por aí, porque quando você coloca uma única alíquota, no caso do alimento, você tem que pensar também na essencialidade do produto. A PEC 110 pensa nisso e prevê, ainda que precise de regulamentação, alguns tipos de exceção à regra, assim como o resto do mundo. Mas a PEC 45, especificamente, não deixa muita margem. 

No caso da OCDE, quando se pega os dados da agricultura, do agro no mundo, mostra de forma efetiva que no mínimo para atingir uma essencialidade, ainda que se tenha só uma alíquota, é preciso, no mínimo ter uma previsão de alíquota zero ou uma isenção para que aplicar o princípio da essencialidade para produtos que são muito importantes. 

Outro ponto é que, muitas vezes, nos países da OCDE, não se cobra sobre alimentos básicos, assim como pode acontecer com a PEC 110. Então esse argumento que está dentro da justificativa da PEC 45 de que ela tem uma uma finalidade unicamente arrecadatória, porque não tem setores nos IVAs. No mundo, elas não têm essa quebra setorial, de fato, quando entra nos países, e esse é um ponto da própria OCDE, todos eles, dentro dos serviços e praticamente para consumo. Para tributação de consumo, todos os países que estão elencados têm tratativas especiais para a agricultura na saída. Mas é importante falar, porque a 110, vê de fato na saída, sobre alimentos. O próprio agronegócio hoje, tem benefício na entrada dos fertilizantes, por exemplo. Dependendo do item, é preciso ter algum tipo de benefício, que hoje existe e que a PEC 110, por exemplo, também não traz de forma clara.  Ele fala dos alimentos, mas o que é só a saída dos alimentos? Percebemos  que no resto do mundo, se for comparar, tem também na entrada e em combustíveis que são utilizados em alguns tipos de energias. 

Outro ponto que nenhuma reforma tributária sequer falou e que é muito interessante  comparar com o resto do mundo:  metade dos países da OCDE utiliza imposto como forma de trazer a sustentabilidade para dentro do agronegócio. Como? Eles fazem tributação de fomento ou proteção ao meio ambiente. Por exemplo, a Bélgica tem um tributo sobre poluição de água. Não é uma penalidade, é para o agronegócio. E outros países também, se não me engano, a Hungria, a água quando utilizada para o agronegócio, é tributada. Quanto menos usar, melhor. Você tem descontos em outros tributos ou tem uma taxação, um tributo com uma alíquota menor ou com um tipo de benefício. A França, por exemplo, dá crédito se você faz produtos orgânicos. Então tudo isso para tentar trazer o agronegócio para dentro de  uma de uma cadeia sustentável. Enquanto estamos tributando, tentando mostrar o princípio da essencialidade para o agronegócio, em outros países considerando essa reforma tributária, já se está muito além. Estão fazendo incentivos para quem tem um bom consumo de terra, da água, para quem não polui ou usa menos produtos no campo que podem ser considerados nocivos.

Acho que o grande resumo que eu queria trazer sobre o Agronegócio é que eu acho qualquer coisa para fins de reforma política, tributária, independentemente da visão do agronegócio, é melhor do que o que se tem nessa complexidade de hoje. Tanto a PEC 45 quanto a 110 têm desafios, mas reduzir a complexidade em termos de número, de quantidade de impostos e de alíquotas é melhor. Do meu ponto de vista, a PEC 45 ou a 110 são desafiadoras, mas já dão uma visão mais clara de um tipo de tributação que gostaríamos de ter. Comparando com o resto do mundo, vemos que, principalmente a questão da PEC 45 para o agronegócio, ainda tem que ter muita discussão. A previsão na PEC 45, por ser arrecadatória, é ter uma política como cashback, mas não é o que o mundo pratica. Resumindo, estamos  com duas PECs, uma um pouco mais próxima, a 110, em termos de possibilidade de isenção que podem ser previstas. Mas no caso da 45, que ainda do ponto de vista da essencialidade,  gera um pouco de questionamentos para o agronegócio. 

É isso que eu queria trazer para vocês. Eu agradeço a atenção. Obrigada.  

Douglas Mota:

Obrigado, Camila. Primeiro, agradeço você ter aceitado nosso convite e colaborar para compartilhar a sua visão sobre o tema.

Eu passo para o Rodrigo. Rodrigo, você que é do BTG, parte financeira, diga o que você está pensando sobre reforma tributária? 

Rodrigo Pará:

Vamos lá Douglas, primeiro também quero agradecer a você, todo time do Demarest pelo convite. 

Acho que escutando os seus comentários, as ponderações da Camila, é muito claro como se consegue aplicar, talvez, a metáfora do copo pela metade. Começando pelos pontos positivos dessa reforma, primeiro tem essa sensação geral de que nunca se chegou tão longe, realmente ou tão perto de conseguir implementar uma reforma tributária. Não é um tema novo, na verdade, já que na Constituição de 88, quando entrou em vigor, já se acreditava que em pouco tempo haveria necessidade de reformar o sistema tributário. E essa discussão, salvo um ou outro aperfeiçoamento pelo meio do caminho, percorreu todo o período. Embora não se tenha no novo governo ainda nada concreto apresentado ao Congresso, toda a disposição, a formação de um time super competente, um time técnico para tocar isso no Ministério da Fazenda, traz esse primeiro otimismo. 

Das partes cheias do copo, vocês bateram bastante na questão da simplificação que surge nas PECs e no discurso do ministro da Fazenda, uma ideia de agregar eficiência ao nosso setor tributário, facilitar a parte de apurações de tributos, obrigações acessórias, redução de contencioso, guerra fiscal, discussões intermináveis como créditos para fins de PIS/Cofins, sem dúvida vai ser o grande avanço.

O professor Chueiri, da USP, costuma dizer uma frase, não sei se são bem essas palavras, de que dói pagar imposto, mas dói muito mais ter que pagar e ter despesa para conseguir pagar imposto. Horas e horas de time apurando tributos, preenchendo declarações, advogados, contadores, etc. Esse custo temos que terminar e é o grande avanço, pelo menos dessa primeira fase de reforma tributária,  isso é inegável.

Talvez, no meio do copo tenha uma lamentação de como a mudança de discurso acompanhou o tema da reforma tributária ao longo do tempo. Quando começamos nos últimos 5, 6, 7 anos, a falar em reforma tributária, o que se propunha era uma redução de carga. E agora, como você bem colocou, Douglas, como a Camila reforçou bastante, o que se propõe é meramente uma manutenção da carga e olha lá. Vamos falar daqui a pouco sobre os serviços, mas no discurso do ministro Haddad sobre reforma tributária, parece que se conseguirmos manter para a maior parte dos setores a carga atual, que já é uma carga super alta, temos que comemorar, quando talvez nós pudéssemos ter uma outra reflexão, até baseados nos dados internacionais que a Camila trouxe, mostrando como a nossa carga é alta. 

Sem dúvida que os ganhos de simplificação são importantes. Em um dos dados que o ministro trouxe essa semana, ele fala que, ao longo do tempo, esses custos e essa simplificação podem implicar em um crescimento do PIB de 10%, 15%. Não sei como ele chegou nesse número, mas é isso que essa simplificação tende a gerar. Mas por que talvez não dar uma reflexão maior? Quando pensamos só em tributação do consumo, daqueles 2 trilhões que a Receita Federal arrecadou no ano passado, 27% vem sobre consumo. Isso olhando só o plano federal, é muito dinheiro, a arrecadação federal é 1/5 do nosso PIB, 27% dessa arrecadação vem do consumo. Será que realmente não temos espaço, pelo menos no plano federal, para pensarmos em redução de carga tributária? Isso talvez seja mais uma provocação, o meio do copo.

E olhando para a parte vazia do copo, que não necessariamente são críticas, mas muito mais pontos para atenção, reflexão e pertinentes ao atual estágio: estamos talvez debatendo em cima de PECs que estão lá no Congresso já há algum tempo e tendem a ser reaquecidas, talvez até para ganhar tempo e impulso político. Ao mesmo tempo, ainda não temos nada concreto, talvez essa semana saia o novo arcabouço fiscal. Mas vamos ver como as discussões evoluem. Tivemos muito tempo para pensar em reforma tributária. Não vamos deixar essa pressa de tentar ter uma reforma aprovada até o meio do ano prejudicar algumas discussões que precisam existir. 

Olhando para essas discussões, que são talvez os principais pontos e elementos da minha visão, acho que as PECs e o discurso dessa primeira fase de reforma do consumo estão muito centralizadas em alguns pilares. Se fala em uma não cumulatividade plana, em uma alíquota tentativamente uniforme, uma base de incidência ampla e regimes de transição. (Acho que vamos deixar o regime de transição para um comentário final). 

Como conjugar tudo isso? Ainda mais dentro desse norte que o ministro apresentou de manutenção de carga tributária, parece muito desafiador para alguns setores. Então se olharmos os primeiros pontos: base de incidência ampla e não com atividade plena – como que eu faço isso no setor de serviços? Antes disso, quando eu olho para o mercado financeiro, quero voltar às discussões que já se arrastam no Judiciário, no Supremo até hoje sobre tributação, por exemplo, do spread bancário. Ninguém quer já começar um novo regime com um novo contencioso tributário. 

Da mesma forma, olhando para os prestadores de serviço. A CNC traz um dado de um estudo que pelo menos o impacto médio da carga para os prestadores de serviço seria um aumento de 188%, quase 200% de aumento de carga tributária para os serviços. E que uma mera não cumulatividade não resolve. Pelo menos, não se pensarmos nessa proposta de uma alíquota uniforme, não tem como, a matemática não fecha. A não ser que se comece a pensar em admitir créditos, em despesas que, pelo menos como estão estruturadas as PECs, por exemplo, mão de obra pessoa física, isso claramente não deve dar direito a crédito. Mas talvez fosse a única forma de eu tentar que o prestador de serviços sobreviva. Ou seja, como encaixar todos esses elementos, todos esses pilares dentro de um mercado financeiro que vive, talvez, internacionalmente? Se já temos uma crise de crédito mundial, talvez até mais lá fora do que aqui no Brasil, mas acho que é um dos temas da vez, e quero onerar ainda mais o mercado financeiro no momento em que o crédito começa a ficar escasso? Os bancos começam a refletir sobre a concessão de crédito. 

Da mesma forma, o mercado financeiro é cada vez mais um mercado de prestação de serviços. Claro que o spread ainda é a receita central dos bancos, mas o mercado financeiro como um todo é um mercado de corretagem, de intermediação, de gestão de patrimônio, de gestão de fundos de investimentos, de private equity. Cada vez mais é um mercado de prestação de serviços e que tende a ser impactado, se imaginarmos essa alíquota que tanto se comenta de 25%.

Em um mercado de, basicamente, prestação de serviços, em que o custo central é de pessoas, a carga tributária realmente chega a crescer, como a CNC indica, em 188%, 200%. A mensagem como um todo é positiva no sentido de ter a sociedade,  o governo, o congresso se organizando para aprovar uma reforma tributária, principalmente essa primeira fase sobre o consumo. Mas os elementos, os pilares centrais dela parecem ser um pouco incompatíveis, dentro desse norte, que todo mundo espera que fosse cumprido, de manutenção da carga tributária atual. Para o setor de serviços parece praticamente impossível, ainda que eu trabalhe com uma não cumulatividade plena, como se tem dito, que se consiga manter a mesma carga atual se a alíquota realmente for uniforme.

No último pilar, que é esse pilar da transição: a nossa experiência com transição e regimes provisórios é talvez a pior possível. Convivemos com uma CPMF, que era uma contribuição provisória, por 10 anos. O RTT, quando se reformou, a legislação do IRPJ, um regime de transição que também ficou por 7, 8 anos na legislação. Temos motivos para ficar receosos quando vemos um prazo de transição já na PEC de 10 anos,  porque como foi indicado na sua apresentação, Douglas, o custo de conformidade de conviver com o sistema híbrido, a legislação atual e o novo modelo, durante um período tão longo.

Outro ponto final para ser considerado é como essa reforma está sendo estruturada em termos de cronograma. Não só a pressa que eu comentei, que talvez prejudique abordar esses temas que são tão caros e tão importantes com calma – nós demoramos 20, 30 anos para pensar em reforma tributária, dá para gastar mais alguns meses e conseguir, dentro da diversidade.da economia brasileira, pensar em um regime justo para os diferentes setores. 

E também essa ideia de fasear: se começa com uma emenda constitucional para lidar com o consumo – pelo menos no cronograma que o Appy propôs – no segundo semestre vai se tratar da reforma da renda e da folha, que corresponde a 70% da arrecadação da Receita Federal. 

Em 2024, volta a se falar de tributação do consumo para passar uma Lei Complementar e pensar nesse processo legislativo. Por que não aglutinar as coisas?  Encarar tudo do consumo de uma vez, emenda constitucional, Lei Complementar para não ficar nenhum buraco, passa para o imposto de renda, depois para folha. Claro que o ideal era reformar o consumo e dar até um norte daquilo que o governo está imaginando, para a reforma da renda. Essa fase picada parece atrapalhar muito o planejamento das empresas e uma visibilidade maior em termos de segurança jurídica. 

As principais provocações são essas e todo mundo imagina que essa reforma realmente, ganhando o corpo, sendo apresentada pelo Ministério da Fazenda de uma forma mais clara: o que é o projeto? Por enquanto, ficamos muito pincelando realmente as PECs, o projeto da CBS de alguns anos atrás, que vamosi conseguir encarar e pensar melhor nos aperfeiçoamentos e que, claramente, essa reforma já acaba demandando. 

Douglas Mota:

Excelente, Rodrigo. Boas ponderações. Obrigado, mais uma vez, por aceitar o convite e dividir sua visão sobre o assunto. Maurício, o que você está achando e a não cumulatividade, para onde vai?

Maurício Barros Diniz:

Queria cumprimentar aqui tanto o Rodrigo quanto a Camila pelas excelentes exposições e agradecê-los pela presença, além do nosso público. 

Eu estou na linha do Rodrigo com relação a enxergar e tentar valorizar talvez um copo meio cheio. Mas com o amadurecimento de debates, vamos tentando encher aos poucos e  chegar em um modelo que seja o melhor possível. Falando especificamente de não cumulatividade, que é o meu comentário específico, penso que o plano geral, os principais motes da reforma, são de tentar simplificar um sistema que hoje é caótico. Nós temos cinco tributos indiretos de três entes diferentes. Organizar um pouco isso já é objetivo bastante nobre, embora com muitos desafios. Tentar simplificar e, finalmente, abandonar essa ideia de crédito físico, que é um fenômeno brasileiro, nos outros IVAs, não temos esse critério físico como no Brasil, que começou lá atrás com uma sequência de erros históricos e até de interpretações equivocadas de decisões do Supremo, e tentar avançar para esse crédito financeiro, amplo de que qualquer incidência nas etapas anteriores vai dar direito a crédito.

A base de incidência é ampla porque incide, sobretudo, quaisquer operações com bens, serviços tangíveis, locações, etc. Mas também é uma base de creditamento ampla, o que simplifica muito. Temos dificuldade das empresas de avaliar o que dá direito a crédito ou não, um contencioso enorme. O que que dá crédito é algo interminável, isso é um bom norte para ter uma reforma do imposto sobre a tributação do consumo e não cumulatividade com base em crédito financeiro.  

Pelo texto apresentado – aqui a tentativa de chegar em um copo cada vez mais cheio – há um racional que tudo dá direito a crédito, menos algumas coisas. Ao invés de tentar dizer o que dá direito a crédito, somos partes do todo, como regra, e trabalhamos algumas exceções. O problema está nessas exceções. Pelos textos que estão em análise, se tem poucas restrições, mas a principal é a de operação de uso e consumo de pessoas físicas, ou seja, bens e serviços de uso e consumo de pessoas físicas nos casos previstos em Lei Complementar. 

A utilização desses termos, uso e consumo pessoais ou de pessoas físicas, pode causar alguma divergência, porque são termos vagos. O que é uso e consumo? Claro que tendo pessoas físicas fica um pouco mais fácil do que, por exemplo, na legislação do ICMS, mas mesmo assim, tem  uma vagueza deixar isso pra Lei Complementar. Temos uma péssima experiência com a Lei Complementar do ICMS. Com retalhos, se tem esse estado de transição que o Rodrigo falou, permanente com relação à possibilidade de tomar crédito de bem de uso e consumo. Cada vez vai se jogando mais para frente essa possibilidade, não é uma boa experiência deixar para o legislador definir.

Isso está causando muita preocupação nos setores, de realmente ter o máximo possível aprovado já na PEC e não o deixar para um momento posterior. Claro, vamos ter a questão do setor de serviços, essa não cumulatividade, o principal insumo é mão de obra, que não dá direito a crédito e isso traz uma série de problemas. O Supremo já opinou sobre isso com relação ao PIS e Cofins e liberou o setor de serviços estar na não cumulatividade, apesar dessas limitações.Ou seja, pode ter problemas com relação a isso também. 

Outro ponto que também traz muita inquietude no mercado, é a questão de você condicionar o crédito ao recolhimento da etapa anterior. Essa terceirização da fiscalização para o contribuinte, de certa forma, não é tão clara na legislação, mas temos essa experiência, o ICMS, basicamente, e toda discussão de notas idôneas e  boa fé. Podemos também pensar, porque já existem algumas propostas para melhorar esse ponto. 

Está se discutindo a opção do adquirente já pagar o imposto, ou seja, parte do pagamento ser direcionado para esse comitê gestor nacional e isso já habilitar o crédito. Tem também a questão de um split de pagamento. À medida que o adquirente paga pelo bem ou pelo serviço, parte deste pagamento, usando tecnologia de Pix ou do próprio split de pagamentos, que hoje já ocorre em alguns setores, direciona a parte desse pagamento para o recolhimento do imposto da etapa anterior. A partir de então permitir que o crédito seja tomado. Usar tecnologia nesse ponto a favor do compliance, seria uma medida bastante positiva.

Para fechar, a questão dos saldos credores. Isso é um grande problema de diversos setores. A Camila, no Agro, convive muito com esse acúmulo de créditos. O que fazer? Temos os saldos credores que virão com o IBS, o IVA. O que fazer com eles? A PEC prevê que a Lei Complementar vai estipular um prazo de ressarcimento e sabemos que o modelo OCDE da tributação indireta trabalha com prazos curtos de recolhimento. A União Europeia também, se o país não cumpre esse ressarcimento do prazo, ele paga inclusive juros. Isso é algo que pode ser facilitado e o fato de a arrecadação ficar com esse comitê de gestão, antes de ser distribuído aos entes, pode facilitar. Temos um saldo credor que já existe hoje e podemos ter o saldo dos credores do IBS, mas já temos o saldo dos credores do ICMS. Isso também tem causado muita preocupação no mercado e nos setores.

Como é que vai monetizar isso? O que está previsto nos textos atuais que estão em tramitação? Que a Lei Complementar vai trazer prazos para que esses créditos sejam homologados e ressarcidos. Essa questão de ser homologado, em alguns estados o procedimento é bastante complicado. Isso acaba impedindo a monetização do crédito, ao menos em um tempo razoável. 

A PEC está prevendo que a Lei Complementar tem que dar um prazo e que se o prazo não for cumprido, essa homologação vai ser automática e o valor vai ter que ser ressarcido. Mas como vai ser ressarcido? Isso também ainda está no ar e temos péssimas experiências com relação a precatórios estaduais. Há ainda o ressarcimento do Governo Federal, que é lento. Não a compensação, mas do tipo de ressarcimento em si. 

Como trazer efetividade para isso? Vai ter uma previsão da opção do contribuinte por ter um título público, com vencimento mínimo de 20 anos, o que  também pode ficar aí a perder de vista. 

É um ponto que tem que encher um pouco mais o copo para que tenhamos uma efetividade maior com relação a esses créditos. 

Douglas Mota:

Maurício, obrigado e já encaminhando aqui o final, Thiago, vai ter simplificação mesmo ou não? 

Thiago Abiatar Lopes Amaral: 

Sempre é difícil falar, depois de todos aqui e as contribuições que vieram. Todo mundo abordou de maneira precisa, e de fato, acho que, pegando um pouco de carona até na parte final da fala da Camila, o grande ganho que podemos ver do ponto de vista dessa reforma que está vindo para a mesa é a simplificação. Hoje tem um sistema que, de fato, não há dúvida, precisa simplificar. Altamente complexo, regressivo, várias legislações esparsas, discussões, regimes diferenciados, alíquotas variadas, questão da não cumulatividade, baseado em crédito físico, discussões conceituais sobre o que é insumo, o que é serviço, o que é mercadoria, o que é receita e tributo compondo a própria base de outros tributos. Dados históricos mostram que no Brasil se gasta 1500 horas, em média por ano, para cumprir obrigação acessória, e que em ranking de ambiente de negócios, o Brasil está sempre atrás, entre os últimos lugares. 

Ou seja, precisa de um sistema mais racional, e eu acho que esse é o grande mérito do que se tem visto em termos de reforma até aqui. Por outro lado, é o grande problema, pelo cenário desafiador, considerando toda essa disfunção sistêmica que temos carregado ao longo dos anos. Muitos falam que deveria ter havido uma reforma há tempos no Brasil, e enquanto não houve essa reforma, me parece que o sistema foi se adaptando, ao ponto de chegar no que é hoje, quase baseado em exceção. 

Tem muita regrinha, coisa que gera disfunções que são corrigidas ou pelo menos se usa essa justificativa para buscar esse tipo de exceção. A grande dificuldade é enfrentar esse sistema que prevê  exceções, mas ao mesmo tempo, e aí não é nenhum juízo de valor, mas toda vez que se chega próximo a uma reforma, há uma guerra de informação de lado a lado. Talvez um pouco disso precise convergir, na verdade, para um estudo aprofundado, um pouco além do que disse o Rodrigo, para tentar cada vez mais envolver os diversos setores. Porque, de fato, há problemas notórios que precisam ser resolvidos. Há um amplo rol de benefícios fiscais, muitos deles que resolvem disfunções, outros não necessariamente, mas também foram concedidos dentro de um contexto de investimento e contrapartidas. Como você consegue corrigir isso e trazer a evidência de que eventual benefício ou renúncia é ineficaz em termos de sistema? 

Temos a possível oneração do setor de serviços. Como endereçar isso? A questão da autonomia dos municípios, zona franca, é bastante complexo e já se começa a notar que nessa toada as manifestações começam a aparecer de parte a parte. Eu peguei alguns comentários que saíram publicados essa semana, nos principais veículos. O secretário da Fazenda do Estado de São falou que São Paulo claramente perderia a arrecadação, com tributação no destino, mas que São Paulo apoia, porque entende que seria bom para o Brasil e, no final das contas, seria bom para São Paulo também. Do outro lado, falam que talvez a perda que São Paulo teria com a tributação no destino poderia ser mais recompensada com eventual economia em função de guerra fiscal que teria o seu fim.

O secretário da Fazenda do Município de São Paulo se coloca claramente contra a reforma tributária, principalmente baseada na PEC 45 e na PEC 110. Ou seja, uma declaração de que o município é contrário à PEC e que, teoricamente, o que o município apoiaria seria a PEC 46, do Simplifica Já, ou seja, que mantém o ISS, com algumas mudanças e, consequentemente, autonomia dos municípios. 

E finalmente, peguei um outro trecho também do presidente da Frente Parlamentar do Águia, o deputado Pedro Lupion, que no encontro com o Appy, deu uma declaração, falando em nome do setor, não poderia ser tributado por uma alíquota única, que ele precisaria ver a realidade em toda a cadeia produtiva, item por item, produto por produto. 

Eu trouxe essas passagens para evidenciar o quanto desafiadora é a reforma e como tem que caminhar daqui para frente, porque de fato é preciso chegar, de alguma forma, em um consenso e analisar essas instruções, mas também com cuidado de que, quanto mais se vai para as exceções, mais se aproxima de um sistema que tem hoje. 

Acho que estamos em uma fase que assusta  um pouco, essa questão da pressa de falar. Tem que aprovar e eu acho que é um momento adequado para isso, mas eu sinto, às vezes que, precisamos, no primeiro momento, votar. Que vote pelo menos a PEC, Lei Complementar, fica para o ano que vem ou para outros anos. Talvez aqui precisaremos ter um certo cuidado para olhar para todo esse lado, trazer mais atores para esse debate, audiências públicas, enfim, de forma que, para além da simplificação, consigamos enxergar algumas questões que existem no nosso sistema, e é um sistema muito particular, pensando em medidas também paliativas de forma se possa atender e chegar a algum consenso. Nesse sentido, se hoje discutimos sobre PEC 45, PEC 110, eu não vejo porque não se dá um protagonismo parecido para uma PEC 46, que talvez, embora menos audaciosa, também teria o potencial de resolver alguns problemas. É claro, desde que isso fosse em uma linha de se delimitar claramente um conceito de serviço, de mercadoria, mas só a tributação do destino já resolve muita coisa. De certa forma, poderíamos pensar por esse lado para, no geral, chegar a um conceito. O debate tem que ser feito, tem que ser amplo e não pode ser atropelado, por conta dessas questões e das particularidades que vivemos.

De maneira geral, é isso, Douglas. Tentei falar rápido aqui, já passamos um pouquinho do tempo, mas são esses comentários.

Douglas Mota:

Excelente, Thiago. A verdade é que o assunto é bastante complicado e temas virão, que ao longo deste ano vai se falar muito ainda sobre reforma tributária. É possível que voltemos a debater. Quero novamente agradecer a Camilla e o Rodrigo por terem aceitado nosso convite e por toda a audiência que tivemos aqui.

Vamos nos colocar aqui à disposição, Maurício, Thiago e eu, como representantes do Departamento Tributário do Demarest, que acompanham diretamente a reforma tributária, porque nossa especialização leva a isso. Estamos todos à disposição para ajudar naquilo que for possível e logo logo voltaremos a falar.