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Quando um acionista minoritário poderá ser considerado como parte de um grupo econômico sob a perspectiva concorrencial brasileira?

16 de abril de 2024

O conceito de grupo econômico para a Lei de Defesa da Concorrência Brasileira

 

A Lei de Defesa da Concorrência Brasileira estabelece que, para fins de notificação de atos de concentração ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), devem ser considerados os faturamentos dos grupos econômicos envolvidos em cada lado de determinada operação.

Nesse sentido, entende-se por grupo econômico:

  • as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e
  • as empresas nas quais qualquer das empresas acima seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% do capital social ou votante.

Para fundos de investimento, devem ser considerados integrantes do mesmo grupo econômico, cumulativamente:

  • o grupo econômico de cada cotista que detenha, direta ou indiretamente, participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de qualquer tipo de acordo de cotistas; e
  • as empresas controladas pelo fundo envolvido na operação e as empresas nas quais esse fundo detenha, direta ou indiretamente, participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante.

Algumas dúvidas podem surgir no caso de acionistas minoritários que possuam determinados direitos e, consequentemente, fazer com que estes sejam considerados como parte de um grupo econômico para fins de notificação de operações societárias ao Cade.

 

APAC: JusBrasil e Digesto

 

Esse foi um tema discutido na sessão de julgamento do Cade realizada no dia 20 de março de 2024, durante o julgamento do procedimento administrativo para apuração de ato de concentração (APAC), no qual o Tribunal considerou que as empresas Digesto e JusBrasil formalizaram um ato de concentração antes do aval da autoridade, prática conhecida como gun jumping.1

Durante a análise do APAC, instaurado em 23 de janeiro de 2023, as partes defenderam que a operação não foi notificada pois não atendia aos critérios de faturamento previstos no artigo 88, II da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira e no artigo 4º, §1º da Resolução Cade nº 33/2022, uma vez que a Jusbrasil e a Digesto não estavam sob controle comum de outros grupos econômicos.

Em sua análise, a Superintendência-Geral do Cade entendeu que a operação era sim de notificação obrigatória, uma vez que existiam fundos de investimento minoritários nas estruturas societárias das empresas envolvidas na operação que deveriam ter sido considerados para a apuração dos faturamentos envolvidos. Isso em decorrência dos direitos atribuídos aos fundos de investimento minoritários nos acordos de acionistas da Digesto e do Jusbrasil, que eram suficientes para configurar controle compartilhado sobre tais sociedades.

O APAC foi analisado pelo Tribunal do Cade, que corroborou o entendimento da superintendência-geral, mas decidiu por unanimidade, nos termos do voto do conselheiro relator, pela não aplicação de uma multa pecuniária às partes. Isso porque foi considerado que o Cade ainda não havia firmado entendimento claro acerca do escopo de incidência das regras sobre fundo de investimentos e, assim, as partes tinham motivos razoáveis para entender que a operação não era de notificação obrigatória. Embora a discussão trazida pelo Tribunal do Cade não tenha sido nova, os votos dos Conselheiros trouxeram uma importante consolidação da jurisprudência do Conselho sobre o tema.

 

Metodologias utilizadas pelo Cade

 

Inicialmente, esclareceu-se que, nos casos em que uma empresa diretamente envolvida possui um fundo de investimento em sua estrutura societária, agindo como acionista ou quotista, esse fundo só será considerado parte do grupo econômico da empresa se exercer controle interno ou externo sobre ela. Isso permitirá a análise do grupo a que o fundo pertence, conforme as diretrizes mencionadas anteriormente.

Ao analisar a jurisprudência do Cade, observam-se três abordagens metodológicas para definir quando um acionista minoritário possui poder de controle e, portanto, deve ser considerado como parte de um grupo econômico para fins de notificação de operações societárias ao Cade:

Verificação concreta do funcionamento dos órgãos de deliberação da companhia, como a assembleia geral, o conselho de administração, e a diretoria, para confirmar se acionistas minoritários possuem poder de controle, a partir da análise de documentos internos da companhia, incluindo atas das reuniões do conselho de administração, apresentações de reuniões, e relatórios gerenciais e financeiros. Essa metodologia é a menos usual e é excessivamente onerosa ao Cade.

Presunção de controle a partir de direitos atribuídos a minoritários em acordo de acionistas. Essa metodologia é a mais utilizada pela Superintendência-Geral do Cade e permite a identificação de direitos especiais atribuídos a acionistas minoritários a partir da avaliação de instrumentos como o estatuto da companhia ou acordo de acionistas.

Com base nos precedentes, o Tribunal do Cade, nos termos do voto do conselheiro relator, concluiu que os seguintes direitos minoritários geram presunções de controle compartilhado, distinguindo em uma lista os direitos de minoritários que consistem na mera proteção ao investimento:

Direitos minoritários que geram presunções de controle compartilhado Direitos de minoritários que consistem na mera proteção ao investimento
Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em assembleia geral de matérias como: (i) aprovação do plano de negócios, (ii) aprovação do orçamento anual, e (iii) qualquer alteração no estatuto social que afete os direitos dos acionistas, independentemente da matéria. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em assembleia geral de matérias como: (i) operações societárias relevantes, como fusões, incorporações, aquisições e criação de subsidiárias integrais;  (ii) emissão de títulos da sociedade a terceiros; (iii) obtenção de registro de sociedade aberta e negociação de ações em bolsa de valores; (iv) aprovação de dividendos ou outras formas de distribuição de lucros; (v) aprovação da remuneração máxima dos membros da administração; (vi) pedidos de falência, recuperação judicial ou extrajudicial; e (vii) aumento ou redução do capital social autorizado.
Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em conselho de administração de matérias como: (i) aprovação do plano de negócios; (ii) aprovação do orçamento anual; (iii) eleição e destituição de diretores da companhia; e (iv) aprovação da política de negócios. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em conselho de administração de matérias como: (i) eleição e destituição de membros do comitê de auditoria; (ii) eleição e destituição do diretor presidente ou do presidente do conselho de administração; (iii) aprovação do plano geral de negócios propostos pela diretoria, desde que, em caso de impasse, a matéria seja submetida à deliberação do conselho de administração e aprovada por maioria simples.
Direito de indicar membros para o conselho de administração, especificamente quando combinado com direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas. Direito de indicar membros para o conselho de administração, desde que não combinado com direitos de veto sobre matérias estratégicas.
Direito de veto sobre decisões relacionadas a investimentos, empréstimos, contratações e outras operações acima de determinados valores. Direito de veto sobre contratos entre a companhia e o acionista controlador ou outras sociedades nas quais o acionista controlador tenha interesse.
Direito de veto sobre a aprovação de relatórios gerenciais, demonstrações financeiras e a indicação de auditores independentes. Direito de veto sobre a avaliação de bens destinados à integralização de aumento de capital.

 

Presunção de controle a partir da mera detenção de participação de 20%. Essa metodologia também adotada em diversos precedentes pela Superintendência-Geral e pelo Tribunal do Cade, baseia-se na tese de que as empresas que tenham controle em percentual acima de 20% do capital social ou votante são consideradas como parte do mesmo grupo econômico, independentemente de exercerem de fato direitos políticos.

A falta de publicidade de informações que são importantes para que os administrados possam avaliar a necessidade de  notificação de ato de concentração ao Cade também foi abordada pelo Tribunal do Cade.

Por fim, o conselheiro relator indicou a necessidade de revisão da Resolução nº 33/2022, com o intuito de estabelecer critérios objetivos e quantitativos para identificar casos notificáveis envolvendo tais direitos ou elaborar um guia com diretrizes orientativas claras aos administrados.

A equipe de Concorrencial do Demarest ressalta que é sempre importante realizar uma avaliação específica do caso concreto e permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre esse ou outros temas.

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[1] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.000641/2023-83. Representadas: Digesto Pesquisa e Banco de Dados S.A. (“Digesto”) e Goshme Soluções Para A Internet Ltda. (“Jusbrasil”)

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