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Projeto de Lei de Concorrência Digital Justa é enviado à Câmara dos Deputados

19 de setembro de 2025

Em 17 de setembro de 2025, o Governo Federal encaminhou, ao Congresso Nacional, um projeto de lei que altera a Lei nº 12.529/2011 (“Lei de Defesa da Concorrência Brasileira”) para instituir um regime específico de monitoramento e imposição de obrigações a agentes econômicos com relevância sistêmica em mercados digitais. Além disso, a versão disponibilizada pelo Ministério da Fazenda cria a Superintendência de Mercados Digitais (“SMD”) no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”).

O texto visa reduzir barreiras à entrada, proteger o processo competitivo e promover a liberdade de escolha em ecossistemas digitais, reforçando princípios de concorrência digital justa. Caso aprovado, entrará em vigor 60 dias após a publicação.

Escopo e designações

Os agentes serão designados por processo administrativo conduzido pela SMD, sujeito à aprovação pelo Tribunal do Cade. As designações abrangem todo seu grupo econômico, com prazo de até 10 anos, podendo ser renovadas mediante novo procedimento.

Critérios para relevância sistêmica 

O PL estabelece os seguintes critérios não cumulativos para caracterização da relevância sistêmica:

  • Atuação em mercados de múltiplos lados.

  • Poder de mercado associado a efeitos de rede.

  • Integrações verticais e presença em mercados adjacentes.

  • Posição estratégica para atividades de terceiros (gatekeeping).

  • Acesso a volume significativo de dados pessoais e comerciais relevantes.

  • Base significativa de usuários profissionais e finais.

  • Portfólio com múltiplos produtos ou serviços digitais.

Limiares econômicos

O PL determina limiares econômicos para elegibilidade da designação do agente:

  • Faturamento bruto anual global superior a R$ 50 bilhões.

  • Faturamento bruto anual no Brasil superior a R$ 5 bilhões (ajustáveis por ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Justiça).

Principais obrigações e vedações para agentes designados

Além de manter escritório no Brasil e dados de contato atualizados perante o Cade, o Tribunal poderá impor, de forma setorial e calibrada por serviço/produto, obrigações como:

[H3] Controle Prévio de Concentrações

  • Submissão ao Cade de atos de concentração dos quais o agente seja parte, independentemente dos critérios de notificação do artigo 88 da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira.

Transparência e informação

  • Divulgação clara de termos de uso, critérios técnicos, coleta e processamento de dados de usuários empresariais/profissionais.

  • Transparência de critérios de ranqueamento/exibição (incluindo buscas) e estrutura de preços, remunerações e taxas.

  • Comunicação tempestiva de alterações de termos de uso pelos canais habituais.

Condutas proibidas para manter a concorrência digital jsuta

  • Restrições que limitem ou impeçam a participação de concorrentes em mercados atuais ou adjacentes.

  • Limitação de acesso a ofertas/insumos/usuários relevantes a rivais.

  • Self-preferencing (inclusive via uso de dados de usuários empresariais/profissionais).

  • Venda casada e restrições contratuais/técnicas a acesso de terceiros.

  • Restrições a informações relevantes para oferta de produtos/serviços por usuários empresariais/profissionais.

  • Impedimentos a contato direto de usuários empresariais com usuários finais.

  • Estratégias predatórias ou abusivas com usuários empresariais, profissionais ou finais.

Portabilidade, interoperabilidade e escolha do usuário

O PL também traz disposições sobre portabilidade, interoperabilidade e escolha do usuário, destacando:

  • Ferramentas gratuitas de transferência de dados a usuários finais.

  • Interoperabilidade efetiva e gratuita com serviços, produtos ou ofertas de terceiros.

  • Permissão para instalação e uso de aplicativos de terceiros, alteração de configurações padrão e possibilidade de desinstalação.

  • Usuários empresariais e profissionais devem ter acesso a dados agregados e não agregados, além de ferramentas de aferição de desempenho.

  • Implementação de mecanismos eficazes de tratamento de reclamações e disputas, assegurando condições de acesso isonômicas e não discriminatórias, promovendo concorrência digital justa.

Implementação, fiscalização e cooperação regulatória

  • Agentes designados deverão apresentar relatórios periódicos de conformidade ao Cade, que poderá exigir auditoria independente às expensas do agente e divulgar relatórios, mediante sigilo legal.

  • A SMD será responsável pela fiscalização do cumprimento das obrigações, podendo impor medidas administrativas e recomendar ajustes.

  • Possibilidade de cooperação com reguladores setoriais e órgãos competentes sobre mercados digitais e defesa de direitos difusos/coletivos.

Sanções

Em caso de descumprimento das obrigações impostas aos agentes:

  • Multa diária de R$ 20 mil, podendo ser aumentada em até 50 vezes por não manter escritório no Brasil.

  • Multa pecuniária de R$ 5 mil a R$ 5 milhões por não manter endereços e dados de representantes atualizados perante o Cade.

Procedimentos e prazos

O artigo 87-C do projeto estabelece o rito processual perante a SMD para designação de agente econômico de relevância sistêmica:

  • Instauração pela SMD: de ofício ou por representação de interessados; imediata quando partir do Tribunal, Superintendência-Geral, SEAE ou órgãos federais competentes.

  • Alegações pelo agente: prazo de 30 dias (prorrogáveis em até 10 dias).

  • Instrução complementar: até 30 dias, prorrogável uma vez por igual período.

  • Manifestação preliminar da SMD: até 45 dias.

  • Audiência pública: 15 dias para contribuições de interessados.

  • Alegações finais do agente: 5 dias úteis.

  • Manifestação final da SMD: até 30 dias e remessa ao Tribunal.

  • No Tribunal: distribuição a conselheiro relator em 48 horas e inclusão em pauta em até 120 dias.

  • Publicação da decisão: em até 5 dias úteis.

  • Efetividade das obrigações: 60 dias após publicação da decisão, vigendo até o fim do período de designação.

O que isso significa para sua organização

Plataformas e ecossistemas digitais com grande base de usuários, efeitos de rede e integrações adjacentes devem avaliar o risco de designação. A adoção antecipada de medidas de conformidade ajuda a reduzir custos de adaptação e riscos sancionatórios, garantindo concorrência digital justa.

Como se preparar para se ajustar às normas de concorrência digital justa

  • Avaliar elegibilidade: verificar faturamento do grupo e mapear serviços com características listadas no projeto.

  • Governança e M&A: revisar estratégia de aquisições e acordos associativos considerando submissão prévia ao Cade.

  • Termos e transparência: adequar termos de uso, critérios de ranqueamento, políticas de preços e comunicações a usuários.

  • Dados e acesso: estruturar portabilidade de dados, métricas e ferramentas de performance para usuários empresariais/profissionais.

  • Interoperabilidade e escolhas do usuário: planejar APIs/interfaces, compatibilidade com serviços de terceiros e opções de configuração padrão.

  • Estrutura local e contato: planejar/confirmar escritório no Brasil e rotinas de atualização de dados perante o Cade.

  • Compliance contínuo: preparar relatórios de conformidade, trilhas de auditoria e governança de reclamações/disputas.

  • Monitoramento regulatório: acompanhar consultas/audiências públicas do Cade e potenciais ajustes legislativos.

Próximos passos

O texto seguirá para tramitação no Congresso e pode sofrer alterações. O Cade deverá publicar regulamentação complementar, precedida de consulta e audiência públicas, especialmente sobre procedimentos de designação e imposição de obrigações.

A equipe de Concorrencial do Demarest permanece à disposição para fornecer esclarecimentos acerca das consultas públicas.

Este material tem caráter informativo e não constitui opinião legal para casos concretos. Para discutir impactos específicos ao seu negócio, entre em contato com nossa equipe.