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Susep abre consulta pública sobre nova resolução de operações de resseguro, retrocessão e cosseguro, em razão da nova Lei do Contrato de Seguro

19 de dezembro de 2025

Contribuições do mercado devem ser enviadas até 29 de dezembro

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) colocou em consulta pública a minuta de resolução que estabelece novas regras e critérios para as operações de cessão e aceitação de resseguro e retrocessão e sua intermediação, as operações de cosseguro, e as operações em moeda estrangeira e contratações de seguro no exterior.

A nova norma decorre essencialmente das alterações promovidas pela Lei nº 15.040/2024 (“Lei do Contrato de Seguro”), bem como da Lei Complementar nº 213/2025, que trata das sociedades cooperativas de seguros e administradoras de operações de proteção patrimonial mutualista. A atual Resolução CNSP nº 451/2022 será integralmente revogada e substituída pela nova norma.

As contribuições do mercado poderão ser encaminhadas até o dia 29 de dezembro de 2025. Desse modo, a norma que substituirá a Resolução CNSP nº 451/2022 deverá ser editada pela SUSEP apenas em 2026. Até lá, não há obrigatoriedade de alteração dos contratos de resseguro e retrocessão, mas o teor da consulta indica o posicionamento da Susep em relação a vários pontos de preocupação do mercado.

Destacamos abaixo as principais alterações apresentadas pela minuta de resolução e nossos comentários.

 

  1. Participação do ressegurador na regulação de sinistro

Um dos pontos mais controvertidos da consulta púbica foi a supressão do art. 14 da Resolução CNSP nº 451/2022, que previa a possibilidade de o ressegurador participar da regulação de sinistros por meio de uma cláusula de cooperação, validando, inclusive de forma expressa, a cláusula de controle. A justificativa da Susep para retirar tal dispositivo da norma anterior é o art. 76 da Lei do Contrato de Seguro, que dispõe que cabe exclusivamente à seguradora a regulação e a liquidação de sinistro, reservando para a seguradora a decisão sobre a cobertura e liquidação.

A interpretação da Susep é motivo de surpresa e alerta no mercado nacional e internacional de resseguro. A nosso ver, tal previsão do art. 76 não veda a participação do ressegurador no procedimento, mas apenas reforça a responsabilidade da seguradora pelo posicionamento de cobertura e o pagamento da indenização perante o segurado. Nesse sentido, o entendimento da Susep parece extrapolar a regulamentação residual da lei.

Vale mencionar que a nova Lei do Contrato de Seguro reforça que o contrato de resseguro é uma relação contratual autônoma entre seguradora cedente e resseguradora e, assim, o ressegurador não responde perante o segurado ou beneficiário. Esse é o teor do artigo 61 da nova lei[1], que também esclarece no artigo 62, § 2º, que a seguradora não poderá opor ao segurado ou beneficiário – a quem responde diretamente – nenhuma questão controvertida na sua relação com o seu ressegurador[2]. A Lei de Contrato de Seguro, portanto, reforça a independência das relações contratuais (segurado x seguradora; seguradora x ressegurador), o que também, a nosso ver, invalida a interpretação apresentada pela Susep para vedar as cláusulas de cooperação ou controle.

Na realidade, a própria Lei Complementar nº 126/2007 já dispunha em seu artigo 14[3] sobre a regra de que resseguradores e retrocessionários não respondem diretamente ao segurado ou beneficiário, o que está integralmente mantido e validado pela nova lei. Portanto, em nosso entendimento, o art. 76 da Lei nº 15.040/2024 apenas insere uma disposição expressa sobre a responsabilidade da seguradora pela regulação e liquidação do sinistro, o que já resultava da interpretação da Lei Complementar nº 126/2007 e é repetido pela nova Lei do Contrato de Seguro. Não há, assim, nenhuma alteração que justifique a revogação da previsão anterior sobre a possibilidade de participação do ressegurador nas decisões sobre o sinistro da forma que for acordado contratualmente com as seguradoras.

Além disso, a previsão de cláusulas de cooperação e controle em contratos de resseguro é uma prática internacional de mercado, principalmente em resseguros facultativos com cessão de percentual substancial do risco ao ressegurador. Assim, a vedação desse tipo de cláusula coloca o Brasil na contramão do mercado global, o que pode comprometer a oferta de capacidade de resseguro, principalmente para grandes riscos, prejudicando os segurados, que poderão ter mais dificuldade de renovação de suas apólices.  

Dito isso, tratando-se de uma minuta de consulta pública, espera-se que a Susep reconsidere seu posicionamento a partir das justificativas legais e técnicas que o mercado apresentará até o dia 29 de dezembro de 2024.

  1. Aceitação tácita

A aceitação tácita da proposta de resseguro no prazo de 20 dias a contar da sua recepção[4] é um ponto de grande preocupação do mercado ressegurador, pois inverte a lógica de contratação. Sobre isso, a minuta prevê que a Susep poderá ampliar o prazo de 20 dias por meio de uma regulamentação específica, e disporá sobre os requisitos mínimos da proposta. Por ora, a única previsão sobre o tema na consulta é a definição de “proposta de resseguro”: documento formal que expressa a intenção de uma cedente em contratar resseguro e contém as informações necessárias para uma resseguradora ou os resseguradores de um pool analisarem e decidirem se aceitam ou recusam o risco proposto. 

Portanto, ainda que a Susep não tenha editado a minuta para tratar dos requisitos da proposta, a definição acima indica que a proposta deve conter a intenção de contratar e os elementos necessários para a análise do risco.

Todavia, a previsão da minuta é de que quando o aceite decorrer de silêncio, a comprovação de recebimento da proposta fará prova da cobertura (art. 12, § 10º), sem que haja qualquer regulamentação sobre as bases de tal contratação não decorrente de negociação entre as partes.

Um ponto não regulamentado é a previsão de um e-mail específico para o recebimento das propostas. Entendemos que a ausência de uma previsão específica não impede que os resseguradores revisem canais de recepção de proposta e procedimentos internos a fim de evitar alegações de aceitação tácita acerca de meros pedidos de cotação não caracterizados como propostas, ou propostas enviadas para canais incorretos.

  1. Prazo para formalização do contrato de resseguro: de 180 para 60 dias

A minuta reduz o prazo de formalização contratual de 180 para 60 dias contados da data de aceitação do risco (de forma expressa ou tácita) ou do início da vigência da cobertura. O descumprimento estará sujeito a sanção a ser definida em regulamentação específica. 

A formalização do contrato de resseguro se dá pela emissão do contrato ou slip com a assinatura do ressegurador, data, e identificação de seu representante legal, sendo admitida a assinatura por meios remotos. Para alterações das cláusulas contratuais, fica exigida a emissão de endosso (art. 12).

  1. Adiantamento de recuperação de resseguro

Em linha com o art. 63 da Lei do Contrato de Seguro, a minuta reitera a previsão de adiantamento de recuperações de resseguro à cedente, com a ressalva de que os valores adiantados deverão ser utilizados imediatamente para o pagamento de indenização apenas no caso de adiantamentos que se relacionam diretamente com o cumprimento do contrato adjacente (art. 13). Trata-se de um esclarecimento bem-vindo, considerando a possibilidade de adiantamento por força de previsões contratuais para a proteção financeira das próprias cedentes.

O artigo 14 traz a previsão de que as cláusulas do resseguro serão pactuadas livremente (salvo naquilo em que a lei trouxer previsão obrigatória), incluindo os procedimentos e documentos necessários à recuperação de indenizações.

  1. Notificação do ressegurador em caso de litígio

A minuta reitera a determinação que o contrato disponha sobre o procedimento de notificação do ressegurador quando a cedente for demandada pelo segurado em litígio, conforme art. 62 da Lei do Contrato de Seguro (art. 14, § 2º).

  1. Lei aplicável aos contratos de seguro firmados no exterior

Outro ponto controvertido da minuta é a ampliação da aplicabilidade da lei brasileira mesmo para contratos de seguro firmados no exterior. A minuta dispõe que será aplicável exclusivamente a lei brasileira aos contratos de seguro celebrados no exterior quando o segurado ou o proponente tiver residência ou domicílio no Brasil ou quando os bens sobre os quais recaírem os interesses garantidos se situarem no Brasil (art. 38, § 6º).

A lei, contudo, prevê expressamente que a disposição se aplica “sem prejuízo do disposto no art. 20 da Lei Complementar nº 126/2007”, que trata sobre hipóteses de permissão de contratação do seguro no exterior. A nosso ver, tal disposição significa que não se impõe a aplicação da lei brasileira nos casos em que a contratação no exterior é autorizada legalmente, mesmo que o contratante seja residente no Brasil ou os bens e interesses estiverem no Brasil.

  1. Arbitragem: escolha da sede e lei aplicável

A minuta também extrapola a competência da Susep ao regulamentar o art. 131 da nova lei de seguro, que trata do foro para as ações e arbitragens promovidas entre seguradoras, resseguradoras, e retrocessionárias, que possam interferir diretamente na execução dos contratos de seguro. Segundo o art. 15 da minuta, os contratos de resseguro visando à proteção de riscos no Brasil deverão incluir uma cláusula determinando a submissão de eventuais disputas à legislação e jurisdição brasileiras, sem ressalvar a arbitragem, cuja sede e lei aplicável são de livre escolha das partes. Além disso, a minuta prevê que as ações e arbitragens deverão ser propostas no Brasil, no foro do domicílio do réu, quando puderem interferir diretamente na execução dos contratos de seguro celebrados por seguradoras autorizadas a operar no Brasil, em que o segurado ou o proponente tiver residência ou domicílio no país, ou que garantam interesses situados no Brasil.

A nova lei, porém, não restringe a escolha da lei aplicável, tampouco da sede da arbitragem no contrato de resseguro (apenas no contrato de seguro). Na realidade, a previsão do parágrafo único do art. 131 trata de competência territorial, que não se aplica à arbitragem, mas apenas aos casos de interferência na execução dos contratos de seguro. Portanto, a Susep não pode, por meio de regulamentação infralegal, alterar a lei de arbitragem que prevê que as partes poderão escolher a lei aplicável na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Dessa forma, também é possível convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes, e nas regras internacionais de comércio.

  1. Oferta preferencial

A minuta mantém a previsão de oferta preferencial aos resseguradores locais, nos termos da Lei Complementar nº 126/2007, com menção de que a regulamentação específica deverá estabelecer os elementos mínimos para que a oferta seja considerada válida. Prevê também que desvios de conduta (anteriormente referidos como práticas desleais) serão punidos com as sanções cabíveis, também nos termos da regulamentação específica (art. 6º).

  1. Limite de cessão

Quanto ao limite de cessão, a minuta inova quanto à possibilidade de cessão em retrocessão em percentual superior a 70%, mediante justificativa técnica a ser apresentada até 31 de março do ano civil subsequente, assim como já existia no caso de cessão em resseguro em percentual superior a 90% (art. 8º, II).

  1. Transferência de risco a pessoas sediadas em paraísos fiscais

A minuta mantém a vedação de transferência de risco a pessoas sediadas em paraísos fiscais, ajudando apenas a sua definição, segundo as alterações ocorridas na Lei nº 9.430/1996 (pela Lei 14.596/2023) e na IN RFB nº 1.037/2010 (pela IN RFB nº 2265/2025), que prevê atualmente a classificação para países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 17%, percentual que anteriormente era de 20% (art. 18. § 1º).

  1. Cosseguro

A minuta consolida regras de cosseguro compatíveis com a Lei do Contrato de Seguro. Nesse sentido, prevê que o cosseguro pode ser documentado em instrumentos emitidos por cada cosseguradora com o mesmo conteúdo, e que o inadimplemento entre cosseguradoras não prejudica o segurado, beneficiário ou terceiro. Além disso, veda o cosseguro sem assunção de responsabilidade e reitera que não há solidariedade entre as cosseguradoras, salvo disposição contratual em contrário. Finalmente, a minuta disciplina as possibilidades de aceitação e cessão por cooperativas singulares, centrais e confederações, inclusive com regras de administração e representação (arts. 29 a 33).

Os documentos referentes à Consulta Pública nº 14/2025 estão disponíveis na íntegra na página virtual da SUSEP.

A equipe de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e Saúde Suplementar do Demarest acompanhará e participará ativamente da consulta pública e permanecerá à disposição para prestar os esclarecimentos que se façam necessários.

 

[1] Art. 61. A resseguradora, salvo disposição em contrário, e sem prejuízo do previsto no § 2º do art. 62 desta Lei, não responde, com fundamento no negócio de resseguro, perante o segurado, o beneficiário do seguro ou o terceiro prejudicado.

[2] Art. 62. Demandada para revisão ou cumprimento do contrato de seguro que motivou a contratação de resseguro facultativo, a seguradora, no prazo da resposta, deverá promover a notificação judicial ou extrajudicial da resseguradora, comunicando-lhe o ajuizamento da ação, salvo disposição contratual em contrário.
§ 1º A resseguradora poderá intervir na causa como assistente simples.
§ 2º A seguradora não poderá opor ao segurado, ao beneficiário ou ao terceiro o descumprimento de obrigações por parte de sua resseguradora.

[3] Art. 14.  Os resseguradores e os seus retrocessionários não responderão diretamente perante o segurado, participante, beneficiário ou assistido pelo montante assumido em resseguro e em retrocessão, ficando as cedentes que emitiram o contrato integralmente responsáveis por indenizá-los.

[4]  Art. 60. Pelo contrato de resseguro, a resseguradora, mediante o pagamento do prêmio equivalente, garante o interesse da seguradora contra os riscos próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e da execução de contratos de seguro.

  • 1º O contrato de resseguro é funcional ao exercício da atividade seguradora e será formado pelo silêncio da resseguradora no prazo de 20 (vinte) dias, contado da recepção da proposta.
  • 2º Em caso de comprovada necessidade técnica, a autoridade fiscalizadora poderá aumentar o prazo de aceitação pelo silêncio da resseguradora estabelecido no § 1º deste artigo.