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ANEEL regulamenta o Decreto n° 10.893/2021 para solicitações de outorga sem a apresentação da Informação de Acesso

16 de agosto de 2022

Após um longo período de espera e muitos questionamentos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”) publicou em 15 de agosto de 2022 a Resolução Normativa n° 1.038/2022, que estabelece procedimentos e diretrizes para os processos de solicitação de outorgas de geração protocolados até o dia 02 de março de 2022, sem exigência de documento de acesso de que trata o art. 1º do Decreto n° 10.893/2021 (“Decreto”).

A norma vinha sido intensamente debatida e aguardada pelo setor, desde a publicação do Decreto em dezembro de 2021 e a instauração da Consulta Pública n° 8/2022, para regulamentar o tema em março de 2022, sobretudo pelas empresas que solicitaram outorga de geração sem a Informação de Acesso para a conexão do empreendimento no sistema elétrico e pelas empresas que possuíam Informação de Acesso com características ou prazos distintos do pedido de outorga, que tiveram seus processos de pedido de outorga sobrestados.

Decorridos 8 (oito) meses da publicação do Decreto e um pouco mais de 5 (cinco) meses da data limite para o protocolo de pedidos de outorga para a obtenção do benefício de desconto nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição (“TUST/TUSD”), a ANEEL finalmente edita uma regulamentação que, além de desnecessária, dado o caráter autoaplicável do Decreto, exige que os requerentes das outorgas assinem uma declaração para renúncia de direitos.

 

Cenário da corrida de solicitações de outorgas:

Em março de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.120/2021, que alterou o art. 26 da Lei nº 9.427/1996, para estabelecer o fim do desconto na TUST/TUSD para novas outorgas de geração. Para tal, foi estabelecido período de transição para que os interessados em implantar projetos de geração a partir da edição da referida Lei fizessem jus ao benefício do desconto na TUST/TUSD, com as seguintes condições:

  • solicitar a outorga até 02 de março de 2022 e iniciar a operação de todas as suas unidades geradoras em até 48 meses, contados da data da outorga; e
  • para os casos de aumento de capacidade instalada, solicitar o aumento até 02 de março de 2022 e iniciar a operação das novas unidades geradoras em até 48 meses, contados da data de publicação do ato que autoriza a alteração da outorga.

Assim, a partir de março de 2021, iniciou-se uma corrida por outorgas. De acordo com dados disponibilizados pela ANEEL[1], existem mais de 4.000 (quatro mil) pedidos de outorga em análise. O grande gargalo nessa corrida de outorgas vinha sendo  – e ainda é – o acesso ao sistema e a dificuldade de obtenção de um informe de acesso para cumprir um dos requisitos da regulamentação para a solicitação de outorga, dentro do tempo hábil para usufruir do benefício do desconto da TUSD/TUST. E foi nesse contexto que foi editado o Decreto n° 10.893/2021, que dispensou a apresentação do informe de acesso como um dos requisitos das solicitações de outorga.

Da desnecessidade de regulamentação:

O Decreto n° 10.893/2021, norma hierarquicamente superior a qualquer regulamentação da ANEEL, estabelece que as outorgas de autorização para empreendimentos de geração solicitadas até 02 de março de 2022 serão concedidas sem a exigência de informação de acesso quanto à viabilidade da conexão do empreendimento.

O Decreto não estabelece a necessidade de regulamentação. E nem poderia, porque sua redação é clara quanto à não exigência de um dos requisitos do processo de solicitação de outorga. Portanto, o papel da ANEEL, como regulador, deveria ser tão somente analisar os pedidos de outorga que lhe foram apresentados e o preenchimento dos requisitos da regulamentação para tanto, devendo emitir a autorização com relação aos pedidos que atendessem à regulamentação, com exceção da apresentação do informe de acesso.

A partir da emissão da outorga, caberia ao seu titular o pedido de emissão do parecer de acesso, conforme o curso normal dos processos de pedidos de outorga. No entanto, não foi esse o entendimento da Agência.

Enquanto os requerentes de outorga aguardavam um posicionamento da ANEEL, as condições de implantação dos seus respectivos empreendimentos foram se modificando e até deteriorando, dada a insegurança que o regulador acabou atribuindo a algo que deveria ser um benefício (a dispensa da apresentação do informe de acesso) para os requerentes. Fato é que esse lapso temporal pode ter causado a inviabilidade de diversos projetos.

 

Do Processo de Regulamentação da ANEEL e da Resolução Normativa n° 1.038/2022

Como de praxe, antes da deliberação da minuta de norma pela Diretoria da ANEEL, foi emitida a Nota Técnica nº 581/2022-SRG-SCG-SRT-SFG/ANEEL, que analisou as contribuições dos agentes à CP n° 08/2022, que foi aberta para a discussão da “regulamentação” do Decreto n° 10.893/2021, processo que culminou na edição da Resolução Normativa n° 1.038/2022, publicada no dia 15 de agosto de 2022 (“REN” ou “REN nº 1.038/2022”).

A REN se aplica aos pedidos de outorga de autorização ou de alterações de características técnicas, que resultem em aumento da capacidade instalada, protocolados na ANEEL até 02 de março de 2022, acompanhados de toda a documentação exigida pela REN n° 875/2020 e 876/2020 – com exceção do documento de acesso, que é dispensado.

A REN divide o processo de outorga em dois: (1) outorga de geração e (2) outorga para a implantação das instalações de interesse restrito.

Com a outorga de geração (1), o agente deverá proceder ao pedido de emissão do parecer de acesso para o ONS ou a concessionária de distribuição conforme o ponto de acesso almejado. Após a emissão do parecer de acesso e assinatura dos contratos de uso e conexão ao sistema elétrico, o agente poderá pedir a outorga para a implantação das instalações de transmissão de interesse restrito.

Aqui já é possível concluir que, de fato, não havia necessidade para essa regulamentação, uma vez que tal procedimento não traz nenhum efeito prático para o processo de outorga hoje vigente. Tal divisão somente traz uma desvantagem para os empreendimentos que entraram com seu pedido de outorga sem a informação de acesso.

Além disso, para o pedido de outorga de geração sem a apresentação do informe de acesso, o agente deverá apresentar uma declaração por meio da qual renuncia ao direito de um pedido de excludente de responsabilidade ou alteração de cronograma em razão de dificuldades em relação à implantação do empreendimento.

Tal exigência fere frontalmente um direito de petição constitucionalmente garantido a qualquer agente. Ademais, de fato, pode haver imprevistos que extrapolem os riscos assumidos pelo empreendedor e que podem, sim, vir a lhe conferir direitos que não podem ser de antemão renunciados.

 

Abaixo alguns destaques dos pontos mais relevantes da Resolução Normativa n° 1.038/2022:

Instrução dos pedidos de outorga sem a apresentação do informe de acesso (Outorga de Geração – 1):

  • Os requerentes deverão apresentar Termo de Declaração e Outras Avenças;
  • A outorga não contemplará autorização para o estabelecimento de rede de interesse restrito para a conexão do gerador ao sistema elétrico; e
  • A distribuidora ou o ONS, conforme o caso, deverá emitir o parecer de acesso e assinar contrato de uso dos sistemas de distribuição ou transmissão antes da autorização do sistema de interesse restrito do gerador a ser emitida pela ANEEL.

Para o caso de ampliação de capacidade instalada, os pedidos deverão ser complementados por meio da apresentação de Termo de Declaração e Outras Avenças. Para pedidos que também envolvam alteração do ponto de conexão, estes serão objeto de alteração da rede de interesse restrito do gerador somente após apresentação do contrato de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição.

Aqui, a Resolução Normativa n° 1.038/2022 também sofre muitas críticas, porque exigir dos agentes a assinatura dos contratos de conexão e uso do sistema para a outorga da autorização das instalações de transmissão de interesse restrito pode atrasar a dinâmica de implantação dos empreendimentos, incluindo aquisição de equipamentos, financiabilidade, habilitação para benefícios, etc.

Autorização para estabelecimento de rede de interesse restrito do gerador (Outorga para a instalação das instalações de transmissão de interesse restrito – 2): Para os casos em que a outorga não contempla essa autorização, o agente deverá requerê-la à ANEEL, acompanhada de (i) contrato de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição; (ii) descrição da rede de interesse restrito do gerador; e (iii) diagrama elétrico unifilar simplificado.

A autorização será formalizada por Despacho da ANEEL.

Prazo para implantação das usinas: Pedidos de outorga protocolados até 02 de março de 2022 terão o prazo limite de 54 meses para entrada em operação de todas as unidades geradoras da usina, contado da data de publicação da autorização. Esse prazo poderá ser estendido, caso o documento de acesso apresentado no pedido de autorização contemple previsão em prazo superior.

Tal prazo passará a vigorar para autorizações vigentes em fase de implantação, cujo prazo para entrada em operação comercial estabelecido na autorização seja inferior a 54 meses, e não demandará ato autorizativo específico da ANEEL.

Destaca-se que essa regra não se aplica ao empreendimento que comercializou energia em leilão ou que tenha assinado contrato de uso dos sistemas de transmissão. Assim, os empreendimentos em fase de implantação que sejam contemplados pela Resolução Normativa n° 1.038/2022 não precisam se preocupar com o prazo previsto na outorga e consequências no caso de seu descumprimento.

O prazo para a implantação do empreendimento previsto na outorga, no entanto, não se confunde com o prazo de 48 meses contados da data da outorga, previsto na Lei nº 14.120/2021 para a manutenção do benefício do desconto na TUSD/TUST.

De acordo com a ANEEL, esse prazo se conta a partir da Outorga de Geração e não da outorga das instalações de interesse restrito.

Enfim, a edição da Resolução Normativa n° 1.038/2022 parece estar longe de sanar a insegurança jurídica com relação aos empreendimentos pendentes de outorga e o gargalo da conexão, e ainda tem o potencial de gerar nova onda de judicializações.

A Equipe de Energia e Recursos Naturais do Demarest está à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o tema.

Vide na íntegra da Resolução Normativa n° 1.038/2022

 

[1] Nota Técnica nº 581/2022-SRG-SCG-SRT-SFG/ANEEL, que analisou as contribuições apresentadas no âmbito da CP nº 08/2022 – § 93 – página 26.


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