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CVM abre consulta pública para modernizar a regulamentação dos fundos de investimento imobiliário

4 de novembro de 2025

Em 30 de outubro de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou o Edital de Consulta Pública SDM nº 06/25 (“Edital de Consulta Pública”) com proposta de reforma da regulamentação aplicável aos fundos de investimento imobiliário (“FIIs”), por meio de alteração do Anexo Normativo III da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022, conforme alterada (“Resolução CVM 175”), com foco em sete pontos:

  • Subordinação entre subclasses de cotas;
  • Ofertas públicas voluntárias de aquisição de cotas (“OPACs”) e recompras;
  • Reembolso de dissidentes;
  • Quóruns e governança de assembleias;
  • Representantes de cotistas;
  • Redistribuição de atribuições entre administrador e gestor; e
  • Modernização do regime informacional.

 

Principais destaques e vantagens para o mercado

A proposta da CVM representa um avanço significativo para a indústria de FIIs, com impactos positivos para gestores, administradores e investidores. Dentre as principais alterações, destaca-se a previsão expressa de possibilidade de subclasses subordinadas para classes de FIIs, destinadas a investidores de varejo que investem exclusivamente em determinados ativos de crédito. É importante lembrar que essa dinâmica já é permitida para classes restritas – destinadas a investidores qualificados e profissionais – conforme previsto na parte geral. Essa inovação amplia a sofisticação na gestão da relação risco-retorno para diferentes perfis de investidores no mercado imobiliário e abre uma nova e relevante avenida para estruturas de securitização no setor.

O Edital de Consulta Pública também explicita o entendimento do Colegiado[1] sobre a possibilidade de realização de OPACs, agora esclarecendo que ela é viável se realizada pela própria classe, desde que haja cancelamento das cotas adquiridas e sejam observados os demais requisitos do art. 56, parágrafo 6º, do Anexo Normativo I da Resolução CVM nº 175. O texto ainda institui um regime de recompra de cotas em mercado, com regras claras para comunicação e restrições que visam evitar o uso de informações privilegiadas ou a manipulação de preços. Esses mecanismos oferecem ferramentas objetivas aos gestores para enfrentar o descasamento entre o valor patrimonial e o preço de mercado das cotas, promovendo maior estabilidade e previsibilidade para os investidores.

Outro ponto relevante é a flexibilização do direito de reembolso dos cotistas dissidentes em operações de reorganização envolvendo classes fechadas, especialmente em fundos com ativos ilíquidos. Nesses casos, admite-se ao regulamento prever a não concessão de reembolso – desde que tal prerrogativa seja acompanhada de medidas de salvaguarda aos interesses dos cotistas dissidentes e de divulgação reforçada –, protegendo a estratégia de longo prazo do fundo e evitando situações de estresse de liquidez que poderiam prejudicar o coletivo de cotistas. Retira-se, assim, um entrave para que determinadas estruturas de consolidação de fundos com políticas de investimento semelhantes ou complementares sejam implementadas.

No âmbito da governança, a proposta revisa os quóruns mínimos para deliberações sensíveis em assembleias, segmentando-os conforme o número de cotistas, o que facilita a realização de assembleias em fundos com base pulverizada e reduz custos operacionais. Destaca-se também o fortalecimento da figura do representante dos cotistas, com redução do percentual mínimo de apoio para inclusão do tema na pauta de assembleia e aprovação por maioria simples dos presentes, incentivando a fiscalização independente e o fluxo de informações entre gestores e investidores.

A reforma ainda redefine os papéis do administrador fiduciário e do gestor de recursos, tornando a estrutura de alocação de competências entre tais prestadores de serviços mais eficiente e alinhada à realidade do mercado, sem perder de vista as particularidades aplicáveis aos FIIs nos termos da Lei nº 8.668/1993.

Por fim, propõe-se que o regime informacional dos fundos seja mais dinâmico, com os conteúdos dos informes periódicos definidos e atualizados pela respectiva Superintendência da CVM, o que permite ajustes contínuos conforme as demandas do mercado, visando à potencial redução dos custos de observância regulatória.

Se aprovadas, essas mudanças podem tornar o ambiente dos fundos imobiliários mais flexível, transparente e eficiente, de forma alinhada às modernizações da indústria de fundos de investimento, sem deixar de promover a proteção ao investidor, preservar a governança e fomentar condições para o desenvolvimento sustentável do setor.

 

Alterações propostas na regulação dos FIIs

I. Subordinação entre subclasses

Por meio da inclusão do artigo 5º-A no Anexo Normativo III, o Edital de Consulta Pública propõe a possibilidade de criação de subclasses subordinadas em classes de FIIs destinados a investidores de varejo que invistam exclusivamente nos seguintes ativos de crédito: certificados de recebíveis imobiliários; cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDC”); letras hipotecárias; imobiliárias garantidas e de crédito imobiliário; debêntures e notas comerciais ou promissórias.

Dada a inspiração em modelos de securitização implementados por FIDCs, determinadas regras previstas no Anexo Normativo II da Resolução CVM 175, relevantes para estruturas de subordinação entre subclasses de cotas em fundos de varejo, serão aplicadas subsidiariamente aos FIIs que adotarem essa estrutura, conforme indicado no parágrafo único do artigo 5º-A, no Anexo Normativo III.

Dando continuidade a esse movimento inicial de aproximação entre FIIs e investidores da indústria de securitização, a CVM convida o mercado a opinar sobre a possibilidade de os FIIs adquirirem direitos creditórios imobiliários diretamente – mecanismo semelhante ao que já ocorreu com Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) para direitos do agronegócio –, reconhecendo que tal medida pode gerar discussões regulatórias e fiscais, mas ressaltando a oportunidade de iniciar um amplo debate sobre o tema.

Por fim, o Edital de Consulta Pública reconhece a existência de instrumentos estruturados que viabilizam, na prática, que estruturas de subordinação representadas por direitos econômicos e políticos interdependentes entre subclasses de cotas também sejam implementadas em investimentos em equity, apesar de tradicionalmente terem sido concebidas no mercado de dívida. No cenário de FIIs, reconhece-se referida modelagem apenas para classes restritas, limitando-se a participação do público em geral nessas estruturas mais complexas, que pode ser revisitada à medida que o mercado evoluir.

 

II. Aquisição, pela classe, de cotas de própria emissão: ofertas públicas de aquisição e recompra

 

OPAC

O Anexo Normativo III já prevê a possibilidade de realização de OPACs relativas às cotas de FIIs. Contudo, não há permissão expressa para que a própria classe emissora das cotas realize OPACs, o que passará a ser previsto na norma caso seja implementada a alteração proposta pelo Edital de Consulta Pública. Para viabilizar a OPAC pela classe, além da observância das regras e procedimentos estabelecidos pela B3 para OPACs, essa autorização deverá constar do regulamento dos FIIs, e as cotas adquiridas nesse contexto deverão ser imediatamente canceladas pela classe.

 

Recompra

Por meio da inclusão do artigo 6º-A no Anexo Normativo III, o Edital de Consulta Pública propõe incorporar ao Anexo Normativo III o entendimento já consagrado pelo Colegiado, referido acima, em relação à recompra de cotas por classes de FIIs, tal como realizado por companhias abertas e fundos de investimento financeiro tipificados como “Ações” de classe fechada.

Sobre este tema, o Colegiado da CVM analisou, em maio de 2025, consultas de participantes do mercado e reconheceu que a recompra de cotas para fins exclusivos de cancelamento não se enquadraria nas vedações legais de recompra, desde que observados rigorosamente os limites e as condições, como transparência, comunicação prévia ao mercado e vedação ao uso de informações privilegiadas. A recompra deverá ocorrer por valor inferior ao valor patrimonial apurado no dia anterior à operação, e o volume recompensado será limitado dentro de um período de 12 meses. A proposta busca consultar o mercado sobre esses parâmetros, bem como sobre aspectos adicionais a respeito do regime informacional aplicável às recompras (ou seja, recompras ocorridas, principais impactos, e informações relevantes, como volume recomprado no período, preços praticados, preço médio, entre outros).

 

III. Reembolso de cotistas dissidentes

A parte geral da Resolução CVM 175 prevê, no artigo 119, parágrafo 1º, que, no caso de incorporação, cisão, fusão ou transformação envolvendo classe fechada por deliberação da assembleia de cotistas, o administrador deve acatar a solicitação de reembolso dos cotistas que divergirem da deliberação, se abstiverem ou não comparecerem à assembleia – cujo pagamento deve ser realizado em até 10 dias após a solicitação do cotista. No entanto, no caso de FIIs, principalmente aqueles que investem em imóveis e outros ativos de baixa liquidez, o pagamento de reembolso no prazo mencionado pode não ser viável.

Nesse contexto, a proposta do Edital de Consulta Pública é introduzir no Anexo Normativo III a possibilidade de o regulamento dos FIIs prever hipóteses de não concessão de reembolso aos cotistas dissidentes, desde que sejam adotadas medidas de salvaguarda e haja divulgação reforçada dessas condições na convocação da assembleia. Neste quesito, a CVM tem interesse em ouvir o posicionamento do mercado quanto a maneiras alternativas ao reembolso que visem equilibrar a necessidade de proteção dos investidores com as particularidades dos ativos (especialmente ilíquidos) dos FIIs.

 

IV. Quórum de deliberação em assembleias e representantes dos cotistas

O Edital de Consulta Pública propõe a inclusão de uma nova faixa de quórum de deliberação de matérias que requerem quórum qualificado em assembleias de cotistas de FIIs, conforme abaixo:

  • Fundos com até 100 cotistas: mínimo de 50% das cotas emitidas.
  • Fundos entre 101 e 10.000 cotistas: mínimo de 25% das cotas emitidas.
  • Fundos com mais de 10.000 cotistas: mínimo de 15% das cotas emitidas.

Essa alteração deriva de uma Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) realizada pela CVM e lançada em janeiro de 2024, que verificou que fundos com mais de 10.000 cotistas enfrentavam dificuldades significativas para atingir o quórum qualificado estabelecido no Anexo Normativo III. A partir disso, foram realizadas simulações que demonstraram que a redução do quórum mínimo de deliberação para 15% aumentaria a taxa de sucesso das assembleias, sem prejudicar a representatividade dos cotistas ou a segurança das decisões tomadas.

 

V. Representantes dos cotistas

A proposta de alteração normativa prevê que, para inclusão da eleição de representantes dos cotistas na pauta da assembleia, o percentual mínimo exigido de apoio cai de 3% para 1% das cotas emitidas, tornando o processo mais acessível, especialmente em fundos com base pulverizada de cotistas. Além disso, a aprovação do representante dar-se-á por maioria simples dos cotistas presentes à assembleia, facilitando a tomada de decisão. Essas mudanças visam facilitar o exercício da representação dos cotistas, promovendo maior participação e fiscalização independente promovida pelos cotistas dos FIIs.

 

VI. Atribuições do administrador e do gestor

Diante de um novo cenário de alocação de responsabilidades entre administrador fiduciário e gestor de recursos, promovido pela reforma da indústria de fundos referendada pela Resolução CVM 175, o Edital de Consulta Pública traz para discussão a proposta de adequação das funções de tais prestadores de serviços de FIIs, ampliando a relevância do papel do gestor sem desconsiderar atribuições do administrador estabelecidas pela Lei nº 8.668/1993.

A minuta prevê a transferência de determinados poderes e deveres do administrador fiduciário para o gestor de recursos, como a contratação de determinados prestadores de serviços (de análise e acompanhamento de projetos imobiliários e administração dos bens imóveis da carteira) e a fiscalização do andamento de empreendimentos imobiliários. A gestão dos ativos pode ser exercida pelo gestor, conforme previsto no regulamento do fundo, ainda que a propriedade formal dos imóveis permaneça com o administrador, nos termos da lei. Nesse sentido, a CVM esclarece que tanto o administrador quanto o gestor possuem poderes de representação dos FIIs, cada um na sua esfera de atuação, cabendo às partes disciplinarem as rotinas de governança por meio de acordo.

Por fim, estruturas tradicionais da norma foram alteradas em linha com a atual realidade do mercado. Por exemplo, a obrigação do administrador de manter um departamento técnico para análise de projetos imobiliários deixa de existir, tornando-se uma prerrogativa do gestor, em conformidade com práticas de outras categorias de fundos. Ainda, a contratação de consultoria imobiliária especializada e de empresas para administração de locações e arrendamentos passa por significativa simplificação, tornando a estrutura mais eficiente e flexível.

 

VII. Mudança do regime informacional dos FIIs

O Edital de Consulta Pública traz significativa modernização ao regime informacional dos FIIs. A proposta de alteração do Anexo Normativo III prevê que o conteúdo dos informes periódicos dos FIIs (mensal, trimestral e anual) seja definido e atualizado pela respectiva Superintendência da CVM, que poderá ajustar as exigências conforme a evolução do mercado e as necessidades de supervisão.

Essa flexibilização permite que as informações prestadas pelos FIIs sejam mais dinâmicas e aderentes à realidade do setor, reduzindo custos de observância sem comprometer a transparência e a proteção dos investidores. O Edital de Consulta Pública também reconhece eventual insegurança jurídica que pode decorrer desse modelo, buscando mitigar riscos, ao estabelecer que eventual posicionamento pela Superintendência competente da CVM – diferente do modelo vigente – seja acompanhado de avaliação de impacto regulatório (incluindo o grau de complexidade e os custos de observância) e conceda prazo de adaptação compatível ao conteúdo exigido e à alteração efetuada. O objetivo é garantir que os informes contenham dados relevantes e úteis para o acompanhamento dos FIIs e preservem a capacidade de adaptação regulatória diante de mudanças no ambiente de investimentos imobiliários.

 

Contribuições do mercado

Participantes do mercado podem enviar suas contribuições à CVM até 30 de janeiro de 2026, à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM), pelo endereço eletrônico conpublicasdm0625@cvm.gov.br.

 

A equipe de Fundos de Investimento e Gestão de Recursos do Demarest permanece à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

[1] https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2025/20250520_R1/20250520_D3280.html